Seja o que Deus quiser

OPINIÃO21.07.202004:00

Comparando com o que o Sporting vai ter de pagar ao SC Braga por Rúben Amorim quando fizer o acerto de contas,  a caminho dos quinze milhões, um treinador em início de carreira e ainda sem habilitações para o exercício  da função ao nível que a UEFA impõe, as verbas que têm sido adiantadas sobre o regresso de Jorge Jesus ao Benfica não são nenhuma extravagância, por se tratar de um treinador qualificado, com trinta anos de atividade regular, conquistas importantes em três continentes, com um título  internacional, a Libertadores, e presença em duas finais europeias. Além da Taça Intertoto, ao serviço do SC Braga.

Há diferenças significativas entre ambos, o que não quer dizer que quando Amorim chegar à idade de Jesus não tenha currículo mais vistoso para exibir. Talvez sim, talvez não, mas o que vale é o tempo presente, e esse mostra-nos o retorno de um treinador a um clube em que entrou com palmas e saiu com assobios e que, durante as seis épocas em que lá esteve, ganhou e perdeu, fez coisas boas e outras más e descobriu uma solução para retirar o clube da letargia  prolongada e doentia que o amarfanhava, o que foi muito apreciado, sem conseguir, no entanto, atingir os patamares históricos da águia.

Ouvi da voz do jornalista André Pipa, que muito considero e que por dever de ofício tem mantido contacto privilegiado com o próximo treinador do Benfica, palavras sensatas sobre este Jesus que aprendeu, evoluiu e é hoje melhor treinador. Ainda na opinião do  meu camarada, o Jesus de hoje, cinco anos mais velho, além de ser esse treinador mais rico do ponto de vista das experiências por que passou, é também uma pessoa mais sensível e atenta, com disponibilidade para escutar e compreender. 

Desde que ele desertou para o Sporting, o Benfica conquistou os dois campeonatos seguintes, perdeu o terceiro, em  2018, que seria o do penta, festejou a reconquista, em 2019, e fracassou este ano, por motivos que me escapam em toda a sua extensão, na medida em que ao esbanjamento de sete pontos no espaço de quatro jornadas se acrescentou, além dos equívocos de Bruno Lage, demorado e inexplicado sub-rendimento das figuras mais destacadas da equipa. Que perdura, pois continuam por ali atores fatigados ou desinteressados. Não se pode enxergar classe onde ela não existe, é certo, mas no mínimo deve exigir-se a quem recebe  o que recebe que corra, que lute, que se esforce.

Três campeonatos conquistados em cinco épocas representa um saldo positivo e uma melhoria em relação ao consulado de Jesus (três em seis), mas o facto de se estar em ano eleitoral e de Luís Filipe Vieira perceber que os seus adversários internos, os que se conhecem e os que se mantêm no anonimato, vão  receber a bênção de  cumplicidades externas com o único propósito de se gerar uma frente ampla para tentar derrubá-lo, tudo junto sugeriu-lhe uma jogada de antecipação, associada a uma estratégia que contém riscos, naturalmente,  para manter de pé e firme a trave mestra da estrutura, que é ele próprio e que fez da águia o que é hoje, preparada para atacar todos os desafios do futuro, por mais exigentes que sejam.

A grandeza de um  clube não se avalia por um campeonato perdido, mas é razão bastante para os grupos de pressão se agitarem, os mensageiros da pureza  se excitarem e os oportunistas se aproveitarem.  

Olhe-se o exemplo do Real Madrid: recém-campeão de Espanha, sim, mas quantos títulos alcançou nas últimas dez épocas? Três (2012, 2016  e 2020), contra seis do Barcelona e um do Atlético de Madrid. Em Portugal, em idêntico período, Benfica e FC Porto repartiram o domínio, cinco para cada qual, mas desde a época de 2013/2014  a força da águia marcou a diferença (cinco contra dois do dragão) e é aqui que Vieira pretende que Jesus apanhe a ponta que continua solta e não repita os erros que permitiram a Vítor Pereira uma passagem cem por cento vitoriosa pelo banco do FC Porto (dois anos, duas vezes campeão, em 2012 e 2013).

Tudo isto me parece um pouco absurdo, peço desculpa. Continuo sem ver em Jesus  a genialidade que muitos admiradores lhe identificam, mas o seu regresso consola o desejo de Luís Filipe Vieira e se há personagem que me merece respeito e consideração, pela obra e pelo impulso que deu à instituição Benfica, enquanto seu presidente, é ele. O que me espanta é ter demorado tanto tempo a tomar a decisão que nunca deixou de estar na sua mente como a última das soluções. Terá acontecido  agora derivado das circunstâncias que conduziram a uma conjugação de vontades, a um comprometimento mútuo e a uma jura de lealdade, apesar dos imprevistos do futebol, que são imensos e não avisam…

À beira dos 66 anos, e a vida não pára, poderá ser a derradeira oportunidade importante de Jesus chegar aonde não chegou e acha que pode chegar, no continente que é a capital do mundo do futebol. 

Há uma semana, neste espaço,  trouxe à colação as últimas finais dos Campeões Europeus em que o Benfica participou, sem estrelas, mas com equipas de alguma qualidade, experientes e com jogadores que sentiam o peso da camisola e do emblema. Este Jesus não tem poderes divinos, mas também não se lhe pedem milagres, apenas trabalho competente e entrega total, sobre isso não tenho dúvidas, além da necessária sorte. Ele quer mostrar do que é capaz à melhor Europa, falta-lhe essa afirmação, e  Luís Filipe Vieira merece muito que Jesus triunfe. Porque o sucesso dele será o sucesso do presidente e de todos os benfiquistas. Aqui chegados, como dizem os crentes e não crentes, seja o que Deus quiser!...