Sarri e o nosso homem de ouro
Não foi surpresa: Maurizio Sarri e a Juventus já haviam acordado a transferência, faltava acertar a compensação do Chelsea e o timing do anúncio formal. Temos então o napolitano que ganhou a Liga Europa sem perder um único jogo (!) aos comandos do Ferrari juventino no ano II da era Ronaldo. Em princípio trata-se de uma boa notícia para o nosso homem de ouro: o futebol que se tem visto às equipas de Sarri - Nápoles e Chelsea - é bem mais impositivo, interligado e audacioso do que aquele que a Juventus apresentou com Massimiliano Allegri no ano de estreia de Ronaldo. Defensor de um futebol de posse-passe virado para o golo, na linha concetual de Pep Guardiola (um tiki-taka vertical, como lhe chamou o L’Équipe), Sarri, do ponto de vista do espetáculo, também alinha na cartilha de Jurgen Klopp. O que deve animar Ronaldo, ele que não conseguiu disfarçar, em certos jogos da época finda, a incompreensão e por vezes a irritação com a atitude da Juve, tantas vezes mais virada para o controlo de danos e anulação dos pontos fortes do adversário do que para a imposição da valia e argumentos próprios - o habitat natural de Ronaldo tanto em Manchester como em Madrid.
No fundo, o presidente Agnelli troca um vencedor da linha pragmática (Allegri) por um sessentão amante do belo jogo que acaba de ganhar o primeiro título da carreira; um esteta de quem se espera que vire do avesso o esquema maçudo e pesadão da Juventus e lhe insufle a plasticidade, maleabilidade e criatividade que jogadores como Ronaldo, Dybala, Bernardeschi, Pjanic (e se calhar Chiesa…) anseiam e merecem. Sempre em teoria, Ronaldo vai beneficiar com o modelo de jogo de Sarri, mais apropriado a uma equipa com pretensões de vencer a Champions num tempo em que a referência mais óbvia é Klopp e o eletrizante rolo compressor de Anfield; com todo o respeito por Allegri, no duelo que a Juventus travou com a miudagem do Ajax a diferença de qualidade, de ímpeto e de descaramento chegou a ser chocante. Os cinco golos de Cristiano na fase a sério maquilharam muita coisa, mas a Champions não é a série A - não se pode ganhar uma competição destas só na base do controlo, da cautela e da especulação.
Segundo a imprensa italiana, Maurizio Sarri encontra-se fechado numa villa-bunker com vista para o Adriático a ver vídeos da Juventus e a planear uma nova ideia de jogo para a equipa. Será curioso ver que reforços ele pediu e vai conseguir - os media italianos têm apontado Mauro Icardi (Inter), Federico Chiesa (Fiorentina) e Sergej Milinkovic-Savic (Lazio); que jogadores pensa dispensar ou reconverter; e que papel/posição/grau de utilização reserva para Cristiano, que fará 35 anos em fevereiro. Sabendo-se que a Juventus, mais do que nunca, tentará extrair o melhor de Ronaldo na fase decisiva da Champions (entre fevereiro e maio) … e sabendo-se, como se leu na magnífica entrevista que Fernando Santos deu neste jornal a Vítor Serpa, que Portugal continuará «a jogar em função de Ronaldo» no ano em que defende o título europeu, é legítimo considerar que aquilo que Sarri está agora a planear para o nosso homem de ouro terá quase de certeza reflexos consideráveis na próxima campanha do nosso selecionador de ouro.
… não dava para trocarem algumas ideias ao telefone?
Ronaldo ultrapassa Klose... e Pelé!
Não houve espaço na semana passada (rescaldo da Liga das Nações) para sublinhar mais duas proezas de Ronaldo que, a meu ver, mereciam um destaque como o de hoje. A primeira é a seguinte: com o hat trick à Suíça, Ronaldo ultrapassou o alemão Miroslav Klose e o espanhol David Villa e tornou-se o melhor marcador europeu de SEMPRE em fases finais: tem 21 golos (7 em Mundiais, 9 em Europeus, 2 na Taça das Confederações e 3 na Liga das Nações) contra 19 de Klose e Villa, 18 do alemão Gerd Muller, 17 do espanhol Fernando Torres e 16 do alemão Jurgen Klinsmann e do francês Thierry Henry. CR7, que é o primeiro futebolista a marcar golos em dez fases finais seguidas (deixou para trás o ganês Asamoah Gyan, que marcou em nove), também suplantou os 20 golos em fases finais do lendário Pelé, autor de 12 golos em quatro Mundiais - 1958 (6), 1962 (1), 1966 (1) e 1970 (4) - e 8 golos na Campeonato Sul Americano (o torneio antecessor da Copa América) de 1959. O recordista absoluto em fases finais é o outro Ronaldo, o brasileiro Fenómeno, com uns estratosféricos 29 golos (15 em Mundiais, 10 na Copa América, 4 na Taça das Confederações).
Opá, vou comprar o miúdo
«Felix, qui potest rerum cognoscere causas» (feliz aquele que conhece a causa das coisas) escreveu o poeta romano Virgílio em 29 a. C. 2.048 anos depois há um outro Félix, desta feita português, feliz por conhecer a causa de coisas que a maioria das pessoas ignora. Por exemplo: como pode um clube de futebol que não é propriedade de um estado árabe e que estreou há pouco um estádio luxuoso e caríssimo… pagar 120 milhões - «opá, vou comprar o miúdo» - por um prometedor jovem futebolista de 19 anos sem qualquer prova dada a nível internacional? É uma aposta de risco, mas só temos de felicitar o milionário Atlético pela coragem. Como só temos de felicitar a) o Benfica pela excelente escola de formação que tem e pela eficácia do seu marketing/propaganda/comunicação; b) João Félix e respetiva família; c) o super-agente Jorge Mendes, se o negócio realmente se concretizar nos moldes que têm sido noticiados. A ser assim, é uma transferência sensacional que proporciona ao Benfica um encaixe fabuloso meio ano depois de Bruno Lage ter dito para os seus botões: «opá, vou meter o miúdo.» Tenho muitas dúvidas sobre se o futebol bruto e físico do, quanto mim estagnado, Diego Simeone (pulmões a arfar, músculos a ranger…) é uma boa escolha para as características de Félix, mas ele e o seu entorno terão entendido que valia a pena correr o risco por 6 milhões ao ano. As maiores felicidades para o João no clube que, em 1987, acolheu o primeiro futebolista português a alcançar o estatuto de verdadeira estrela no estrangeiro: Paulo Futre.