Salvar a época na Champions

OPINIÃO05.04.202207:00

Nélson Veríssimo esgotou as desculpas, sem nada para dizer que já não tivesse dito sobre a displicência de um plantel que precisa de uma limpeza de alto a baixo

RUI COSTA já terá decidido e, aparentemente,  bem. O próximo treinador do Benfica será estrangeiro. O alemão do PSV parece situar-se na linha da frente, embora outros nomes fossem igualmente anunciados como estando na  esfera de preferências do presidente dos encarnados. No entanto, enquanto não houver uma posição oficial e definitiva, sugere a  prudência que se espere para ver o que sucede, pela razão simples de existir do lado de dentro personagens interessadas em fazer constar coisas com o propósito de  abalar a liderança de quem, como é público, ficou com a responsabilidade pela área do futebol.
A opção por um estrangeiro, neste momento delicado da águia, parece-me inteligente. Considere-se ou não importante escolher alguém que se esteja nas tintas para a futilidade das nossas discussões de bairro, tendo quase sempre como tema os árbitros e as arbitragens, a verdade é que esse desprendimento agiliza a sua integração e facilita o seu trabalho, transferindo a gestão dos ruídos para uma estrutura de apoio que, por sinal, no Benfica, é como se não existisse. Mas isso faz parte de outra conversa.
Irrecusável é que os três últimos treinadores, todos portugueses, foram despedidos. Primeiro, Rui Vitória, a seguir a um jogo amaldiçoado em Portimão. A seguir, Bruno Lage, a quem abriram a porta de saída sem pingo de vergonha, entre eventuais candidatos ao lugar, um deles assumido, Renato Paiva, e jogadores com  peso no balneário. Para final de festa,  nem o intocável Jorge Jesus escapou, sendo apanhado numa corrente de ar de intrigas que conduziu ao seu despedimento e à dispensa de Pizzi, pelos vistos o único culpado, porque era preciso arranjar um. Azar o dele por ter dito o que não devia, enquanto outros gostariam de ter dito o mesmo, mas  não tiveram coragem de o fazer. Sinais de balbúrdia no balneário com as consequências  que estão à vista de todos, expressas não só no resultado do último jogo, em Braga, mas também, e principalmente, na atitude competitiva reprovável de profissionais que nem sequer revelam decoro em justificarem o que ganham, que é muito.
 

Nélson Veríssimo, treinador do Benfica

DEPOIS do sacrifício de três treinadores, mais uma caterva de aquisições feitas com critério duvidoso, talvez à medida dos interesses de quem lá estava e por lá continua, gastando-se à tripa-forra. Os efeitos de política pouco equilibrada mas muito gastadora são preocupantes e desoladores. A última conquista da águia data de 4 de agosto de 2019, uma Supertaça, ainda no tempo de Bruno Lage, 5-0 ao Sporting, e a temporada presente não passa de um amontoado de objetivos falhados, para profunda desilusão do universo benfiquista que ainda não enxerga um indício sequer da mudança prometida.
Colocar em  Nélson Veríssimo o ónus pelos recorrentes apagões da equipa, pelos pontos que escasseiam e pelos desempenhos que incomodam, como o que se observou em Braga, em que a vontade de correr foi pouca por culpa de artistas em contenção de esforço para o jogo desta noite, por exemplo, além de ser um profundo disparate é também de uma injustiça tremenda. Quando ele fala na necessidade de refletir é porque já não sabe o que dizer aos adeptos sobre as incompetências de um plantel desequilibrado, embora caro, e sem futuro. Foi de tal forma  notório o cansaço em algumas figuras principescamente remuneradas que o treinador, ainda por cima a prazo e sem autoridade, viu bloqueada a sua capacidade de argumentação. «Temos de refletir sobre o que andamos a fazer», afirmou, com a resignação de quem esgotou as desculpas, sem nada  para dizer que já não tivesse dito sobre a displicência de  um grupo de profissionais envelhecido, gordo e que precisa de uma limpeza de alto a baixo.
 

ESTA noite, como o jogo é de Champions, todos se chegam à frente, apesar do nome do emblema  oponente impor muito respeitinho, o mesmo que o Benfica impôs durante décadas. Pelo menos a história não pode ser apagada, porque as gerações mais antigas de adeptos conhecem-na, viveram-na e festejaram as noites europeias que transformaram o Estádio da Luz no tal inferno que intimidava todos os adversários. Por razões que me escapam, as administrações foram cortando os laços com os anos de conquistas épicas.   Investiram noutras estratégias e deixaram de ensinar a história aos  mais jovens. Apagaram o passado glorioso e que me lembre, Rui Costa, não há muito tempo, foi o único que alertou para a importância  de fazer perceber aos jogadores a grandeza do símbolo da águia. Tem  razão, mas se os que  estão, alguns  há anos de mais, do meu ponto de vista, não são boas referências, os que chegam não têm como aprender a viver o Benfica europeu.
A Liga dos Campeões é o que resta de uma época que tem sido um suplício. Através dela os adeptos  podem voltar a acreditar. Eliminar o Liverpool é difícil, mas possível. Em 2006, não foi assim há tanto tempo, a águia despachou -o em dose dupla, nos oitavos de final  (1-0, na Luz, e 2-0, em Anfield).  Hoje, o Liverpool continua forte, ao contrário do Benfica, cada vez mais fraco. Esse é o desafio de Rui Costa.