«Salva-vidas»!

OPINIÃO04.02.202205:55

Para uma equipa que se afunda, um grave erro de arbitragem pode ter um peso fatal

CONHECE, certamente, o leitor, a expressão, não propriamente proverbial, mas, entretanto, popularizada, segundo a qual, «quando alguém está realmente em baixo, até um cão lhe faz xixi em cima». Pois é, creio, um bocadinho o que parece estar a suceder com a equipa de futebol do Benfica, francamente tão mal se vai mostrando que quase já não há, realmente, nada que pareça não lhe acontecer. A equipa de futebol do Benfica está, na verdade, tão mal, tão em baixo, que quanto mais em baixo parece estar, mais parece afundar-se, e quando se julgava não ter mais fundo onde bater, eis que surge um jogo como o de quarta-feira, com o Gil Vicente,  talvez com a pior das exibições encarnadas esta época.
A equipa do Benfica está tão em baixo, tão em baixo, que já nem é fácil perceber-se se tem mais jogadores que eventualmente queiram mas não podem (e creio que o Benfica tem, ainda, quem dê tudo o que tem, como Otamendi, Vertonghen ou Weigl…) ou mais jogadores que até poderiam mas já não querem.

Está a águia tão em baixo que até dá a inusitada ideia, seguramente exagerada, de já não ter, sequer, ponta por onde se lhe possa pegar, tal a desoladora imagem que passa de equipa desnorteada, perdida, desarrumada, desligada, sem química, sem energia, sem espírito e sem alma.
Pior, porém, do que quase ficar sem avançados, não saber o que fazer aos médios e tanto exigir aos mais velhos dos defesas, só mesmo fazer golos que afinal não contam ou sofrê-los como principiante.
Na verdade, como se não bastasse estar já de si tão mal (e mal emocionalmente, fisicamente, tecnicamente e taticamente!!!), a equipa do Benfica ainda leva murros no estômago como este dado, quarta-feira, na Luz, pela errada, e grave, decisão do qualificado árbitro Artur Soares Dias de impedir golo absolutamente legal das águias, logo ao minuto 6 da partida com o Gil Vicente, com a «inacreditável» justificação do benfiquista Vertonghen ter cometido falta no contacto normal com um adversário, no interior da área, após a marcação de um livre do lado direito do ataque das águias.

Vale, na verdade, a pena que nos debrucemos mais detalhadamente no erro de Artur Soares Dias. Porque o erro não está (nem deve estar) tanto na perceção que o árbitro do Porto pode ter tido (e teve, acredito) de uma eventual falta de Vertonghen; grave é um árbitro experiente como é Artur Soares Dias assinalar uma falta praticamente ao mesmo tempo que a bola entrou na baliza do Gil Vicente, impedindo assim qualquer intervenção do videoárbitro e a consequente, e mais rigorosa, análise do contacto, num tipo de lance igual aos que se repetem, dentro de cada grande área, dezenas de vezes por jogo, naturalmente confusos e suspeitos, e que, por si só, justificam que se usem todos os meios tecnológicos ao dispor para um melhor e mais inequívoco julgamento.

O que Artur Soares Dias fez não foi defender a verdade do jogo, porque defender a verdade do jogo é, também, agora que existe VAR, deixar, sobretudo em casos como este, que seja a análise das imagens  televisivas a determinar se há ou não razão para se assinalar falta.
Dizer-se que não é por causa de eventuais (e, alguns, claros) erros de arbitragem que o Benfica está a jogar tão poucochinho futebol, é, naturalmente, uma evidência. Mas sublinhar o mau futebol (e o mau estado global) da equipa do Benfica e ignorar o que graves erros de arbitragem podem fazer a uma equipa de futebol, como facilmente julgo que se compreende, é uma verdadeira falácia, porque, não se querendo disfarçar o lado negro da lua, também não se deve aceitar que se tape o sol com uma peneira.
O evidente e grave erro de Soares Dias não pode servir para justificar o que a equipa de futebol do Benfica mostra, claramente, não ser capaz de fazer, nem individual, nem coletivamente. Mas julgo que devemos compreender como um erro de arbitragem grave (não há erro mais grave do que erro que impeça a concretização de um golo!) tem um peso para uma equipa que está na mó de cima e um peso, bem diferente, para equipa que está na mó de baixo!

É verdade que frente ao Gil Vicente, depois do golo que não contou, o Benfica ainda tinha mais de 80 minutos para ganhar o jogo e não foi capaz de o conseguir. Sim, o jogo da equipa é pobre, a equipa não tem andamento, os jogadores falham porque não correm tanto como os adversários, porque perdem praticamente todos os duelos, sobretudo os que envolvem contacto físico, porque escorregam mais, porque erram mais passes, porque cruzam e rematam mal, porque estão mais vezes a passo do que em movimento, porque não atacam o espaço, nem jogam entrelinhas, nem pressionam, e porque parecem perdidos sem bola, e, por isso, dão demasiado espaço e deixam jogar os adversários, e sofrem, assim, golos que dificilmente se aceita que sofram, e, como os sofrem, perdem ou não ganham jogos que não poderiam perder e deveriam ganhar.

A questão é, porém, também outra, e traduz-se numa equipa que parece, ainda, e no conjunto, emocionalmente muito abalada, incapaz de dominar a ansiedade, que luta, permanentemente, contra uma tremenda e evidente falta de confiança, e que sente que, a qualquer momento, o céu lhe desabará sobre a cabeça. E, meus caros, e sublinho, para quem, como eu, vive tão próximo do futebol há quatro décadas, não há a mais pequena dúvida que a uma equipa neste estado, o pior que lhe pode acontecer é ver, como viu o Benfica esta quarta-feira, um grave erro de arbitragem impedi-la de se ver em vantagem num jogo. Não quer dizer que o venha a ganhar, ou que o Benfica, no caso, o viesse a ganhar. Quem anda no futebol sabe bem que quanto pior um jogo corre, mais uma equipa, que está mal, se afunda, e que para equipa que se afunda, qualquer golinho não será apenas boia de salvação, mas autêntico bote… salva-vidas!

Para que fique claro: ninguém, e, muito menos eu, naturalmente, quererá justificar - nem, em boa verdade, o poderia fazer - o mau momento do futebol do Benfica com eventuais (nalguns casos, claros, repito) erros de arbitragem. O mau momento do Benfica começa na responsabilidade do que fez, ou não fez, o presidente Rui Costa, sobretudo, evidentemente, desde que foi eleito presidente pela esmagadora maioria de votantes, nunca é demais lembrá-lo, nas mais concorridas eleições de sempre na história do clube.
Estará ainda na responsabilidade do que conseguiu ou não conseguiu fazer o anterior treinador, Jorge Jesus, e no que quererá, e conseguirá ou não conseguirá fazer, o atual técnico, Nélson Veríssimo. Estará ainda num balneário de jogadores habituados aos maiores luxos nem sempre proporcionalmente correspondidos na atitude em campo.

E estará, por fim, este mau momento inevitavelmente ligado ao que sucedeu na instituição Benfica, muito em particular no último ano. Não será legítimo questionar-se que instituição resistiria melhor a todo o vendaval que assolou a Luz, sobretudo desde que o anterior presidente, tão marcante, tão carismático, tão dominador, tão mandão, tão autoritário, tão abrangente e soberano, foi, por intervenção judicial, obrigado a afastar-se do clube que reergueu e comandou nos últimos 18 anos?!
Do mesmo modo, pois, que não pode, ou deve, ignorar-se, em relação a qualquer equipa, os efeitos de graves erros de arbitragem, muito em especial em contextos como os que vive, hoje, a equipa de futebol do Benfica, também não pode ignorar-se nunca, a meu ver, os efeitos absolutamente incontornáveis, inequívocos e indesmentíveis que um vendaval como o que assolou o universo da águia tem inevitavelmente numa equipa de futebol, ainda mais numa equipa como a do Benfica, que tem vivido, mal ou bem, no último ano e meio, uma fase de reconstrução (pelo menos 15 jogadores que não estavam no plantel em maio de 2020), ainda por cima pela mão de um treinador que, afinal, parece que ninguém queria que tivesse voltado à Luz, e, last but not least, num cenário de histórica e trágica pandemia.

Quarta-feira, ao decidir dar um primeiríssimo sinal de alerta como presidente do Benfica contra uma maré ainda mais negra pelos erros alheios, falando publicamente, sim, mas já depois de falar internamente, no balneário da equipa de futebol, após mais esta desoladora (e, em muitos aspetos, difícil de explicar e aceitar) derrota para todos os benfiquistas, Rui Costa pode ter dado, ao mesmo tempo, um primeiro sinal de que está consciente da necessidade de dar um ou outro «murro na mesa» e de mostrar, para fora, a liderança que ninguém sabe verdadeiramente ao certo se já conseguiu, porventura, assumir lá dentro.
Pelo que disse Rui Costa, agora, sobre saber o que quer e deve fazer para mudar as coisas,  creio que podem e devem os benfiquistas continuar a dar-lhe o indispensável benefício da dúvida. Já nem parece muito importante saber se falou ou não tarde demais. Importante é ver-se o que vai fazer. É pelo que fizer que Rui Costa será, verdadeiramente, julgado.
E ele sabe-o, seguramente!

PS: O Benfica nunca poderia, institucionalmente, abandonar a cerimónia final da Taça da Liga. O presidente desapareceu e ninguém o representou. Lamentável!