Saber ganhar faz a diferença
Fernando Santos não é teimosamente conservador, mas um teimoso pragmático. É importante perceber porquê
CAMINHAMOS a passos largos para 100 anos de grandes competições continentais e diz-nos a história que foram poucas as seleções que conseguiram conciliar a vitória final com uma estética gravada na eternidade. Por outras palavras, que ganharam e encantaram; que personificaram momentos de mudança no futebol; que graças a elas houve um antes e um depois. Em Campeonatos do Mundo, é consensualmente aceite que houve duas: o Brasil de 1970 e a Espanha de 2010. Um trouxe novos conceitos de mobilidade que os Países Baixos iriam mais tarde potenciar e o outro foi consequência de um clube-modelo (Barcelona) cuja génese esteve num neerlandês (Cruyff), que bebeu desse Brasil de Pelé, Rivelino, Tostão e Carlos Alberto. No fundo, está tudo ligado. Em Campeonatos da Europa, haverá os Países Baixos de 1988 e a Espanha de 2008 e 2012, pelos mesmos motivos já apontados.
E depois tivemos dois tipos: as seleções que venceram e ficaram na história graças a génios individuais (França de Platini no Euro-1984, México de Maradona no Mundial-1986, França de Zidane no Mundial-1998 e Euro-2000) e outras que, não triunfando, mas estando lá perto, deixaram saudades: Hungria no Mundial-1954, Países Baixos no Mundial-1974 e Brasil no Mundial-1982).
Serve este longo preâmbulo para colocar em contexto o atual Euro-2020 e a discussão sobre a qualidade do futebol da Seleção Nacional - ou melhor, o que deve ou não deve fazer Fernando Santos. É uma questão legítima e pertinente: podia Portugal jogar melhor face ao talento individual que tem? Depende do que se considera melhor. Maior mobilidade? Maior risco? Maior imprevisibilidade? Maior liberdade criativa? Não, este Portugal não encanta nestes termos mas não alinho na teoria de que tal não existe porque o selecionador nacional é teimosamente conservador, apenas acho que é teimosamente pragmático: a segurança é um valor que está acima dos outros e é a base das grandes conquistas em torneios de curta duração. Para que um conjunto de jogadores talentosos jogue bem e ganhe é necessário ter na mala uma de duas vestes: tempo ou dinâmica de grupo. Ora, tempo é algo que nem Fernando Santos nem qualquer outro selecionador tem devido aos calendários apertados dos clubes; e dinâmica de grupo também é um bem em falta. Basta olhar para o onze que alinhou frente à Hungria: jogadores de nove clubes. Não há ligações automáticas de subgrupos que joguem num mesmo emblema (a dupla João Cancelo/Bernardo Silva seria a única capaz de fazer combinações de olhos fechados pelo hábito que trazem de Manchester, mas o lateral-direito foi-se embora prematuramente devido ao Covid), tal como acontecia nas grandes equipas da Alemanha, na tal Espanha catalã ou, no caso português, na equipa de 1966 (Benfica na base) ou na de 2004 (FC Porto).
Mesmo sem João Cancelo (provavelmente o melhor lateral-direito da atualidade), esta Seleção continua a ter qualidade individual que se pode comparar à do Euro-2000, aquela que mais gostei de ver desde que me lembro de torcer por Portugal. Era um grupo fantástico: de Vítor Baía a Figo, de Fernando Couto a Rui Costa, de Jorge Costa a João Vieira Pinto, os inspirados Nuno Gomes e Sérgio Conceição e por aí fora. Quase todos jogavam em clubes diferentes mas o núcleo duro tinha um passado de 10 anos de seleções jovens que fez toda a diferença. Rui Costa podia estar a olhar para Norte e sabia distinguir, a Sul, Figo de João Pinto só pelo simples pisar ou respirar... Tudo é diferente neste lote. Ao contrário de 2000, onde a chamada geração de ouro teve o seu ponto mais alto e era uma camada heterogénea, 2021 traz-nos várias gerações e, principalmente, casos individuais de sucesso (Cristiano Ronaldo como referência máxima) mas sem a ponte comum das seleções jovens, seja pela diferença de idades ou por explosão tardia. Basta recordar dois exemplos: Bernardo Silva só apareceu no último ano de júnior no Benfica e Bruno Fernandes só se tornou um referencial na seleção sub-20, já depois de sair do Boavista para o Novara.
Tem no entanto esta Seleção uma grande vantagem às restantes: sabe o que é ganhar. E isso faz toda a diferença.