Rui Costa, mãos à obra

OPINIÃO10.05.202206:30

Os problemas do futebol do Benfica não cabem em dois centímetros. São extensos, de natureza diversa e resultam de erros acumulados durante anos

O FC Porto voltou a fazer a festa do título no Estádio da Luz  e pela segunda vez no espaço de onze anos, ainda com as memórias frescas, os jogadores do Benfica esforçaram-se mas fraquejaram como equipa de corpo inteiro, provando que a política seguida, de contratar caro e nem sempre bem não só foi desadequada como validou a afirmação de poder por parte do dragão a seguir ao seu período dourado do penta, entre 1994 e 1999, com doze campeonatos conquistados contra sete da águia já neste século.  
Continuar a evitar a realidade com desculpas de circunstância, fugindo à dureza dos factos, tem sido o mais grave dos pecados das sucessivas administrações. A família encarnada está saturada e o que mais espera de Rui Costa, eleito há apenas oito meses por uma esmagadora maioria de quase 85 por cento de votos na assembleia mais participada na história do clube, é que coloque um ponto final nesta estratégia bacoca de contínuas promessas sem que, objetivamente, alguma mudança se enxergue, no sentido de recuperar a hegemonia no futebol português.
Ao fim de tanto tempo ainda há gente com responsabilidade que nada aprendeu e teima em martelar a paciência dos adeptos em vez de assumir as culpas que houver para assumir, que foram muitas, e de muitas personagens, de certeza, por mais uma época envergonhada da águia. Quando se esperava um discurso forte e aglutinador, a seguir a mais uma derrota que não devia ter acontecido, a juntar a outras que, no conjunto, corresponderam à perda de dezoito pontos em jogos realizados na Luz, quando se impunha uma intervenção à altura da grandeza da instituição, insisto, vimos e ouvimos Nélson Veríssimo agarrar-se a dois centímetros para desculpar o indesculpável, sem que alguém da área da comunicação o tivesse advertido para a inoportunidade de usar o VAR como viseira de proteção, na medida em que, na semana anterior, no Estádio do Dragão, o segundo golo do Vizela fora confirmado por zero… centímetros.

D E repente emergiu a ideia de falta de espaço na equipa para pontas de lança, como se houvesse alguma incompatibilidade com Darwin. No jogo do título, a FC Porto o empate servia-lhe para alcançar o seu objetivo, enquanto ao Benfica apenas a vitória lhe servia para o evitar. A verdade é que, apesar desse detalhe, Yaremchuk e Seferovic começaram tranquilamente no banco de suplentes, vendo o uruguaio a desgastar-se em luta desigual perante os centrais adversários, apenas protegido pelo ‘médio mentiroso’, designação feliz do jornalista Fernando Urbano na sua crónica de A BOLA, para destacar a transformação imposta a Gonçalo Ramos, o qual «passou de avançado para uma espécie de manobrador, ponta de lança que pensa como médio e médio que finaliza como avançado», exigindo-se do jovem o que talvez ainda não esteja preparado para dar.
Como geralmente sucede, só quando o barco começa a meter água é que tocam os alarmes, entram os avançados e mais alguém, a fim de os treinadores poderem proclamar ao mundo que tentaram tudo, embora de forma desordenada e de duvidosa eficácia, como se verificou neste caso, acrescento. Não se deu devida a importância aos «pequenos detalhes, por vezes considerados insignificantes, que se transformam em grandes problemas», apesar de os treinadores saberem que «quando fazem vista grossa a pequeno detalhe da dinâmica organizativa, este poderá originar uma macro consequência», como refere o professor Jorge Castelo no seu trabalho ‘SL Benfica. A nova época desportiva’, publicado também em A BOLA, na edição da última sexta-feira, e que aconselho a quem me lê, independentemente da cor clubista, de modo a deslindar por que razão, aos noventa e tal minutos, no lance do único golo do clássico, os jogadores de Sérgio Conceição correram mais do que os de Nélson Veríssimo.

O S problemas do futebol do Benfica não cabem em dois centímetros  São extensos, de natureza diversa e resultam de erros acumulados durante anos, tal como Pedro Mil-Homens, diretor-geral da formação, aprofunda, com notável eloquência, em entrevista publicada em A BOLA, na edição do dia 5 de maio, conduzida pelo jornalista Nuno Paralvas, e que igualmente recomendo, por fornecer pistas para mais facilmente se alcançar o porquê das coisas e compreender algumas delas, pelo menos.  
Expirou o prazo de reflexão concedido a Rui Costa. É tempo de meter mãos à obra, mudar o que tem de ser mudado, dispensar quem já pouco ou nada acrescenta e retocar o plantel, como sugeriu Gaspar Ramos, embora com o rigor que tem faltado, sobretudo nestes dois últimos anos.
O processo parece-me demorado, porque antes desses retoques é preciso descobrir saídas para jogadores com défice de qualidade, acomodados e ricamente pagos, que não são assim tão poucos. Tudo isto antes de o treinador anunciado, Roger Schmidt, começar a preparar as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões, das quais dependerá o futuro imediato do Benfica. É uma desvantagem em relação aos rivais, mas quem fica a 17 pontos do campeão e a 11 do segundo classificado é porque não mereceu mais e a polémica suscitada por Nélson Veríssimo, peço desculpa, não lhe assentou bem, nem a ele, nem ao clube que representa. Depois da casa ardida é que se lembraram dos bombeiros…