Robben, Garrincha do século XXI
A principal finta de Arjen Robben era sempre igual. Vinha de trás para a frente, sobre a direita, na direção da quina da área adversária. Com a bola colada ao pé esquerdo, claro. O defesa sabia o que Robben ia fazer e Robben sabia que o defesa sabia o que ele ia fazer. De repente, o holandês começava a virar para a esquerda, paralelamente à linha de grande área, sempre a dar pequenos toques na bola. E o adversário ia atrás. Aliás, os adversários iam atrás: o defesa-esquerdo, o central do lado esquerdo e o médio-centro. Lá atrás, na baliza, o guarda-redes pensava: «Ele vai continuar a ir para a minha direita e vai rematar a qualquer momento.» O guarda-redes sabia que ele ia rematar e Robben sabia que o guarda-redes sabia que ele ia rematar. Só faltava saber quando. E quando Robben rematava, a maioria das vezes era golo. Quase sempre um golaço.
ARJEN ROBBEN era uma espécie de Mané Garrincha do século XXI. Garrincha, nos anos 60 do século passado, utilizava quase sempre a mesma finta. Dava a bola a cheirar ao adversário e aguardava. Como um toureiro que espera o momento de fraqueza do touro. Dava pequenos toques na bola e o defesa ia recuando. Garrincha não sabia quando daria a estocada final. Só sabia que a daria. O defesa, por seu lado, não sabia quando Garrincha daria o golpe fatal. Só sabia que seria fintado. E ia recuando. E Garrincha ia avançando. Até que, de repente, um pequeno toque na bola para a direita e o defesa estava ultrapassado. A finta era quase sempre a mesma. E o resultado era quase sempre o mesmo: defesa para trás, cruzamento e golo. Muitos de Pelé.
QUANDO Robben nasceu, a 23 de janeiro de 1984, Mané Garrincha tinha morrido há um ano e três dias. É, pois, possível, sendo um pouco ousado, que Robben seja a reencarnação de Garrincha: morreu no Rio de Janeiro e renasceu em Bedum. Mais alto, mais branco e com pés trocados. O pé dominante do brasileiro era o direito, enquanto o do holandês era o esquerdo. Havia ainda uma outra diferença. Para Garrincha todos os defesas-direitos se chamavam João. Era o João do Flamengo, o João de Portugal, o João do Fluminense e o João da Suécia; Robben era multilinguístico. Talvez lhes chamasse Johanne quando jogava no Groningen ou no PSV. Ou John quando esteve no Chelsea. Ou Juan quando vestiu a camisola do Real Madrid. Ou Johann nos tempos do Bayern.
AGORA, por decisão própria, deixa de haver Robben. Como deixara de haver Garrincha desde finais dos anos 60. É uma pena. Os defesas voltarão a chamar-se Virgil, Raphael, Harry, Thiago ou Daniel. E tudo será um pouco mais previsível.