rivalidades abomináveis
1Um resultado folgado e um sofrimento apertado, assim posso resumir o que vi e senti no jogo Benfica-Portimonense. Os mais de 60.000 espectadores na Luz souberam ser o verdadeiro 12.º jogador, sobretudo nos momentos mais difíceis da partida, num apoio puro e unido, sem atoardas contra terceiros e apenas focados no clube do coração. Uma partida sem casos, para lástima dos programas televisivos de sangue colérico e delirante.
Bruno Lage concluiu uma volta completa à frente da equipa. Dezasseis vitórias e um empate é categoricamente afirmativo da fulgurante caminhada que a sua liderança vem proporcionando. Há 17 jornadas, no fim das quais o Benfica estava a 7 pontos do então líder, FC Porto e num medíocre quarto lugar, a 2 pontos do Sporting e a 1 ponto do Sp. Braga, quem apostaria que agora lidera o campeonato isolado? Visto de outra maneira, o Benfica de Lage fez mais 9 pontos do que os portistas, 10 do que os sportinguistas e 18 do que os bracarenses. Vejamos no quadro a síntese:
Impressionante é a eficácia ofensiva da equipa: 65 golos marcados, faltando apenas quatro para, no total, se atingir a mítica marca de 100, jamais alcançada neste século e que a última vez que aconteceu foi há 45 anos também pelo Benfica (1972/73, 101 golos, com apenas 16 equipas concorrentes). Uma média superior a 3,8 golos/jogo, bem distante das médias do Porto e do Sporting (2,2)! Em 17 jogos da era Lage, o Benfica marcou 4 ou mais golos em 10 deles! Quem prognosticaria um desempenho destes, com o atraso pontual atrás mencionado, e tendo jogado fora no Dragão, Alvalade, Braga e Guimarães! É certo que as estatísticas não garantem campeonatos, que faltam duas partidas decisivas e que ‘cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém’. É absolutamente necessário manter uma alta concentração nos 180 minutos que ainda se jogarão.
No jogo de sábado, percebeu-se (como em Braga) que a ansiedade tomou conta de alguns jogadores, e que a juventude e alguma inexperiência deste combate que, agora, assume uma componente psicológica acentuada, começou por tolher o desempenho do colectivo e de alguns jogadores. É curioso observar que, por paradoxal que pareça, a equipa quase que precisou de sofrer primeiro um golo para se libertar de fantasmas e ser ela própria. Bruno Lage começou a sua caminhada virando um 0-2 contra o Rio Ave num 4-2. E remontadas é coisa que não falta neste período: no Dragão (2-1), no Feirense (4-1), em Braga (4-1) e agora contra o Portimonense (5-1).
No domingo, em Vila do Conde, bom será que o Benfica entre para ganhar, sem ansiedade bloqueante e não pensando que um empate pode chegar. Será um jogo difícil, como são, em regra, todos os jogos do SLB contra todas as equipas que se empertigam como se estivessem a jogar a final mais decisiva das suas carreiras. Acho intrigantes certas declarações de jogadores acabadinhos de chegar a um país que não conheciam dizendo que vão jogar para «tirar títulos» a outros, e coisas do género, com tal arreguenho que mais parece que sabem de cor e salteado a história do futebol português e as suas naturais rivalidades. Isto para não falar em técnicos, às vezes tão impressivos, outras vezes tão suavemente respeitosos, ou da relativa apatia e conformismo com que algumas equipas jogam em certos contextos. No entanto, compreendo que, curricularmente, para alguns atletas uma coisa é ganhar ao Benfica, outra é vencer outros jogos. É como as antigas diligências para transporte de malas postais e passageiros, então conhecidas como malas-postas, que, por razões às vezes obscuras, privilegiavam certas paragens nos seus percursos.
Uma palavra de profundo reconhecimento para Jonas. Um grande profissional, um jogador talentoso e um benfiquista ímpar. Um craque que, estando agora mais tempo no banco de suplentes, continua a entrar nos jogos como um menino que se estreia numa equipa principal. Respira espírito genuinamente benfiquista. Quando não está no relvado corre desalmadamente para os colegas festejando um golo. Quando é ele a marcar, fá-lo como se fosse o primeiros dos 300 golos da sua carreira. Na tarde soalheira de sábado na Luz atingiu o 137.º ao serviço do seu clube. Se há quem mais mereça ser, de novo, campeão nacional é este atleta.
2A rivalidade é um dos principais ingredientes do desporto. Dá-lhe animação, vivacidade e vida. Com ela, fundem-se emocionalmente, o coração da razão e a razão do coração, e reforça-se a identidade de um clube com a inclinação de cada adepto fervoroso. Sem ela, muitos jogos - de futebol ou das modalidades - seriam uma pasmaceira, sem sal e sem açúcar.
Mas a rivalidade, por muito forte e até tensa que seja, não deve ultrapassar certos limites morais, sociais e relacionais, caindo na falta de civismo mínimo, de decência e de respeito. Assistimos, muitas vezes, a uma agressividade patológica da rivalidade, caracterizada quase sempre por ódio indisfarçado e inveja desmedida e por reacções absolutamente injustificadas a qualquer circunstância desportiva.
Nenhum clube tem estado imune a estas javardices que medram em estádios ou fora deles. Mas, é notório que é no anti-benfiquismo primário (primário… talvez seja até uma palavra simpática) que se sentem os mais recorrentes sinais exteriores de uma absoluta grosseria e de um recalcado sentimento hostil para com o Benfica. Já nem me detenho no sistemático ‘hino’ de obscenidades contra o Benfica quando o Porto joga seja contra quem for. Falo, agora, do que se passou no pavilhão leonino na recepção aos novos campeões europeus de futsal e que evidenciou como é difícil, para certas mentes, ser nobre na vitória. Segundo as notícias, um animador de serviço (presumo funcionário do clube) iniciou um ‘cântico’ de escárnio dirigido ao Benfica com vários palavrões à mistura, perante uma multidão com crianças indefesas perante estes comportamentos destituídos de exemplaridade (algumas das quais junto dos seus pais, jogadores). Mais parecia que se festejava um desaire benfiquista do que uma saborosa e meritória vitória do SCP. Que triste bandalheira. Impropérios, atitudes inconcebíveis e os jogadores a colaborarem. Perante isto, não houve uma palavra de repúdio de quem a deveria ter.
A talhe de foice, lembro-me do castigo de 90 dias aplicado pelo Conselho de Disciplina da FPF a Luís Filipe Vieira, numa sempre discutível fronteira entre o princípio constitucional de liberdade de expressão e de opinião e a ofensa ao bom-nome ou profissionalismo de outrem. Um assunto que desenvolverei, proximamente. O que agora me importa é o que mais salta à vista: decisões tomadas com dois pesos e duas medidas. Vieira leva 3 meses de suspensão e um membro da equipa técnica do Porto que tentou agredir um espectador com a medalha que tinha acabado de receber na final da Taça da Liga - situação que levou à intervenção de um dos seguranças presentes - apanhou uma suspensão irrisória de uns simbólicos 15 dias! Gostaria de saber onde pára o critério da equidade naquele douto Conselho. E já agora, os insultos a que atrás me referi no futebol e no futsal ficarão sem penalizações, tudo numa boa? E aquela do desplante do mesmo Conselho abrir novo processo ao Benfica porque não gostou de ser criticado pela decisão que suspendeu o presidente do Benfica? Achar-se-ão acima de qualquer crítica, reparo ou escrutínio? E onde é que já se viu, num Estado de direito, um órgão jurisdicional ir apreciar e julgar críticas a si feitas, ainda que duras e com alguns termos que se deveriam ter sido evitados? É como se não se pudesse criticar uma decisão de um tribunal comum ou superior e ser o mesmo órgão criticado a julgar essa crítica!