Ricos e Pobres
1Com a final da Liga dos Campeões ontem disputada em Kiev, e o seu espetáculo atraente, terminou a época do futebol de clubes. Foi uma final de milhões. Num País dividido e com muitos, mas muitos pobres. O certo é que estão definidos os clubes que vão diretamente à próxima edição desta Liga cada vez mais rica, aqueles que vão lutar por nela participarem - como é o caso do Benfica que, aliás, tem de fazer tudo para entrar em Agosto no pote 2 do sorteio da fase de grupos - e, igualmente, aqueles que entram na Liga Europa e os outros que procurarão, igualmente, o acesso aos múltiplos grupos desta competição cujo vencedor - o Atlético de Madrid - conquistou o direito de entrar diretamente na Liga dos Campeões. Agora é o tempo das seleções nacionais com o Mundial da Rússia a aproximar-se a passos largos. O caminho da Rússia vai preencher as nossas atenções e lutar, permita-se a ousadia, pela atenção mediática com a crise do e no Sporting. É que, aqui, a palavra crise é bem rigorosa já que é mais associada a conflito do que a mudanças. Mesmo que elas estejam a decorrer. Acredito que seria útil que alguns que acompanham a realidade desportiva e aqueles outros que, num ápice e com um conhecimento fulgurante, analisam essa mesma realidade também lessem, mesmo que fosse de um fôlego, um recente livro de Jorge Valdano com este interessante título: Futebol: o jogo infinito! E aí, leva-nos a Rodolfo Braceli que na sua reflexão acerca «do futebol que somos: a condição argentina» nos lembra que o futebol «espelha a violência, espelha o nacionalismo, espelha o gangsterismo, o fracasso, a existência». E espelhando isto tudo é deformante já que motiva, multiplicando, o exagero. O que é importante, em momentos de conflito como o que, mesmo bem de fora, estamos a assistir, é perceber a valentia e suscitar a serenidade. É aceitar, no limite, a ilusão e motivar a confiança. É multiplicar a determinação e chamar à colação a tranquilidade. Sabendo que a tempestade impõe largos momentos de calma. Que estão para além de atas, atos ou factos! No futebol, como em outras atividades, há que ter uma grande tolerância com a pressão. Por mais imensa e intensa que seja. Sabendo, de experiência vivida e sentida, que há personalidades que, mesmo tendo algum conhecimento do fluir existencial, estão a viver agora alguns momentos dolorosos após instantes de prazer. É que a vida é prazer e dor. Como todos sabemos. E no futebol em particular. Aqui o mencionado lapso vai do bestial a besta. Num instante!
2No futebol português a dança dos treinadores é bem relevante e interessante. Neste momento dos dezoito clubes participantes na próxima principal competição apenas nove mantêm os treinadores que terminaram a época. Ou seja metade dos clubes ou já mudaram ou ainda não confirmaram a anterior equipa técnica. As mudanças são muitas e não se sente nem se pressente que haja milhões - como há na Liga inglesa - seja para salários de treinadores seja para a contratação de jogadores. E o relevante é que, por exemplo, Vítor Oliveira aceita, uma vez mais, - e sempre com a sua ousadia desafiante - descer de divisão e vai treinar o Paços de Ferreira com o assumido sonho de voltar a subir de escalão! O que ressalta é que treinadores que mereciam respeito - pelo que fizeram e pelo que silenciaram - como José Couceiro, foram despedidos e outros como Luís Castro sentem bem reconhecido o seu trabalho. É a meritocracia a ganhar espaço neste âmbito do futebol português. O que importa realçar.
3O Benfica sabe que importa ter a equipa estruturada no arranque de agosto, já que tem de fazer tudo, e ter tudo, para conquistar o acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões. O Benfica já está a contratar jogadores que podem lutar pela efetiva presença no plantel principal e bem sabe que o Mundial da Rússia pode proporcionar, pela visibilidade indiscutível e por titularidade alcançadas, assédios significantes a alguns dos seus jogadores que marcam presença, em diferentes seleções, nesta competição global. E, por exemplo, da Sérvia ao México, da Argentina a Portugal os olhos dos benfiquistas vão acompanhar com fervor a seleção de Fernando Santos e, porventura, com saudade outros marcos de seleções que vão dominar as nossas atenções ao longo da segunda quinzena de junho. Pelo menos, e em força, em tempos de São João e de São Pedro. Nesta época desportiva o Benfica não se pode distrair em agosto. E no final desse mês pode acertar detalhes após sorrir com a presença no atrativo sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões!
4Sabemos, com Valdano, que o futebol é um jogo emocionante que, no entanto, não tem por vezes coração. Vimos isso ontem na final de Kiev como vimos no domingo passado no Jamor com a entusiasmante vitória do Desportivo das Aves. Aqui houve muito coração. Alma intensa. Um localismo contagiante. Em que não houve a transformação dos adeptos em clientes. Em meros utentes de um estádio. E é esta clivagem que marca o nosso tempo do futebol e que, sei bem, a nossa Federação nas suas oportunas reflexões não deixa de aprofundar e cientificamente suscitar. Entre nós vivemos, com poucas exceções, um jogo de pobres que move uma ilusória indústria de ricos. O nosso futebol caminha a passos lagos para ser liderado pelos principais operadores de conteúdos. E, aqui, o regulador vai ser a Federação e já não vai ser a Liga. Aqui a Federação vai ser o suporte dos clientes -utentes já que os clubes na e da Liga vão estar sujeitos às subordinações daqueles que lhes anteciparam as receitas em verdadeiro estado de necessidade. Na certeza que tenho que no meu tempo de menino a bola era o centro da minha atenção enquanto hoje o prazer supremo de meus queridos netos é ter, por exemplo e por excelência, a camisola de Cristiano Ronaldo. E esta diferença, que também chega às lideranças do futebol - sem que muitas delas se apercebam - transforma o adepto em mero consumidor, qualquer que seja o produto que o motiva. E esta realidade, que chega aos grupos organizados de adeptos e aos seus aparelhos comerciais, está para além de qualquer sonhada ou proclamada Autoridade. É que antes de mais importa perceber que onde não há confiança não há tranquilidade e onde não determinação há ilusão. Já que os problemas não se resolvem com meros anúncios. Resolvem-se sim com a consciência da clivagem, entre nós, entre o jogo de pobres e a indústria de ricos. Dos velhos e dos novos ricos. Principalmente de alguns destes últimos que julgam que tudo dominam e condicionam! Julgam mesmo!
5O título deste artigo foi motivado pela leitura, sempre motivante e enriquecedora, do último livro de Maria Filomena Mónica: Os Ricos. Um anterior, também contagiante e brilhante, tem como título: Os Pobres. E neste Os Ricos aprendemos que um dos pontos de encontro da Autora com os seus Amigos era num clube local «intitulado a Parada. Criado em 15 de Outubro de 1879, o Sporting Clube de Cascais (a sua designação oficial) havia sido frequentado pela família real, o que, desde logo, o tornava único»! Por vezes a Sociologia, e as suas grandes Mestras, para além de nos enriquecerem, motivam-nos reflexões e suscitam-nos interrogações. Parada única! Jogo infinito!