Retomar o futebol. Bom! E reformar o futebol? Ótimo!

OPINIÃO14.05.202003:00

Não vale a pena gastar mais espaço com aquilo em que já me repeti: o que aí vem, a partir de 4 de junho é um sucedâneo de futebol, cujas partidas verei e discutirei com todo o gosto. Embora sempre com a consciência (quando a emoção dos jogos não me toldar a razão) de que estamos num plano que já não é inteiramente desportivo.
Ainda bem que os jogos voltam, nem que seja para quebrar a rotina das conferências de Imprensa da DGS e dos filmes e séries nos diversos canais, na Netflix ou HBO.  Além disso, por más e lentas que sejam as partidas, há emoção: desde logo, na luta pelo primeiro lugar e, com mais protagonistas, na luta pelos terceiro quarto lugares. A última jornada, que se espera a 19 de julho, tem um Benfica-Sporting e um SC Braga-FC Porto. Acaso funcione bem uma aplicação para smartphone agora anunciada, que faz com que os adeptos se façam ouvir mesmo sem estar no estádio, ainda nos esquecemos da falta de público…
Além disso, como pelo menos já disseram Varandas, Pedro Proença e Pinto da Costa, não há atividade mais medicamente vigiada do que esta. O facto de a DGS atirar a responsabilidade para os jogadores não significa, como os próprios entenderam, que não continue a ser um dever - moral e laboral - dos clubes protegerem-nos. As coisas estão mais ou menos delineadas e o dia 4 de junho parece ser definitivo (assim não haja muito mais casos do que aqueles já conhecidos).
Só falta um aspeto bastante importante: em que estádio joga cada equipa. Será de bradar aos céus, que embora os estádios escolhidos pertençam a alguns clubes, estes tenham o privilégio de jogar em casa. Ser o visitado não tem apenas a vantagem de ter o público (que nestas 10 jornadas não existe). É também a de jogar num campo que se conhece bem, com pontos de referência absolutamente importantes para os chamados automatismos. Imaginem um jogo em que o visitado é obrigado a jogar no estádio do visitante… Não faz o mínimo sentido e penso que os clubes não aceitarão tais regras.

O que poderia mudar

Se aceitamos que o futebol possa ser esta coisa a que nos obriga a pandemia, seria oportuno ver o que devemos e podemos mudar no futebol, de modo a torná-lo mais competitivo e atrativo, sobretudo para tempos futuros em que a excecionalidade não seja a regra.
No Sporting chegaram vários contributos sobre a governança do clube, que de facto necessita mudanças. Tomás Froes propôs a venda da maioria da SAD, coisa que parece ser obra do diabo para muitos sócios, mas que o tempo ditará ser inelutável (não só no Sporting como em todos os clubes, sendo que os maiores ainda podem ditar regras sobre a relação de poder entre acionistas e sócios); José Pedro Rodrigues veio apoiar Froes com palavras duras para a atual gestão; por último, o meu amigo e também consócio Miguel Poiares Maduro fez considerações muito pertinentes sobre a gestão profissional de um clube. Cito, com a devida vénia (com se dizia noutros tempos): «Qual é a probabilidade de encontrar nos associados do clube uma equipa altamente profissional de gestão desportiva?». E esta é a questão. De uma forma ou de outra, as Direções dos clubes, eleitas pelos sócios, vão ter de abdicar da gestão de algo tão complexo que movimenta tantos interesses e dinheiro como é uma SAD. Os modos próprios de há 70 ou 100 anos, quando só contava o amor à camisola já não são operativos. Era mais bonito? Sim, sem dúvida! Era mais são? Também penso que sim! Pode continuar-se assim? Parece-me impossível.
Além disso, Poiares Maduro defende muitas coisas que me são caras: «limitação de mandatos; controlos de integridade para os titulares dos órgãos sociais e os gestores da SAD; declaração de interesses e de património e controlo dos conflitos de interesse; código de conduta para dirigentes, atletas e funcionários do clube; promoção da transparência, desde a situação financeira e contratações de jogadores aos concursos para funcionários e prestações de serviços; uma unidade de compliance e uma comissão independente de ética no clube que monitorize estas diferentes dimensões (separando as funções do Conselho Fiscal e Disciplinar)». E, como finaliza, só este clube, o Sporting, está em condições de liderar a transformação do futebol português.
Devo dizer que, entrando ainda por outras esferas, eu gostaria de ver substancialmente diminuído o número de clubes da I Liga (talvez para apenas 12) sem diminuir o número de jogos, recorrendo ao sistema de terceira volta em campo neutro ou, em alternativa, ao apuramento de campeão e das descidas com play-offs de seis clubes e mais duas voltas. O primeiro modelo dá um conjunto de 33 jornadas (menos uma do que as atuais) e o segundo 32. Era uma forma de complementar o aumento da gestão profissional com uma competição mais renhida. Imaginem isso mesmo neste momento: o apuramento do campeão em 10 jornadas a duas voltas com FC Porto, Benfica, SC Braga, Sporting, Rio Ave e V. Guimarães. Sem jogos fáceis, com estádios com muito mais gente. E podendo gerar mais receitas, que aliás deveriam ser centralizadas e distribuídas de modo mais equitativo.

Última resposta

Esta Direção do SCP foi eleita em condições especiais e tem legitimidade própria. Será uma pena caso não aproveite para arrumar a casa há tanto tempo desarrumada e pela direção anterior quase subvertida, não fossem os sócios ter o impulso de a demitir. Para o conseguir, poderia e deveria liderar o processo de profissionalização da gestão da SAD e a correspondente mudança de Estatutos e de arquitetura de governação.
Para lá das contratações, multas, incumprimentos, acordos, reivindicações, vendas e o que mais tem dominado o noticiário sobre o Sporting neste defeso forçado, tivemos o episódio de Alcochete em que Bruno de Carvalho se viu despronunciado pelo tribunal.
Várias pessoas me enviam mensagens a perguntar o seguinte: se o anterior presidente não teve culpa de Alcochete, por que razão foi demitido e expulso. Vou fingir que muitas dessas mensagens não são altamente injuriosas e feitas de má-fé. Mesmo que apenas uma reflita uma dúvida legítima, espero aqui desfazê-la.
1) Bruno de Carvalho, nem no processo de destituição, nem no de expulsão foi acusado com algo que se relacionasse com o assalto a Alcochete. Se a Justiça entendesse que ele tinha de responder por esse ato só agravaria os motivos, já de si graves que levaram duas AGs por larga maioria a decidir contra o ex-presidente;
2) Bruno de Carvalho, que continua a tentar desestabilizar o SCP, foi suspenso e, depois, expulso por violação grave e grosseira dos Estatutos e Regulamentos do clube. O que em si não é, necessariamente crime, mas chegava e sobrava para expulsar qualquer dirigente. Recorde-se a não aceitação de uma AG, a nomeação de órgãos fictícios, os insultos permanentes a órgão legalmente constituídos. Tudo prevaricações previstas nos Estatutos do Clube e nos seus Regulamentos;
3) Já depois de suspenso, o ex-presidente cometeu os atos que ditaram a sua expulsão. Nomeadamente ao tentar bloquear as contas bancárias do clube e ao apresentar-se em Alvalade com um documento que pretendia ser de um tribunal a devolver-lhe os poderes de presidente e que se veio a apurar não ser nada disso. Ou seja, prejudicou o clube.
4) O tribunal entender que não há matéria para acusar Bruno não apaga o facto de as reações do ex-presidente ao ataque terem sido deploráveis; nem o facto de muitos jogadores terem rescindido os contratos com óbvio prejuízo do clube. Mas o mais cínico nisto tudo é que Bruno de Carvalho, por muito menos do que ele próprio fez, promoveu a expulsão do seu antecessor, Godinho Lopes (nota: nunca votei num nem noutro).
Em suma, e como se diz: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Que Bruno de Carvalho seja ilibado e feliz, ninguém está contra. Que continue a desestabilizar o Sporting e a atacar quem defendeu o clube, é inadmissível.