Resta-nos ter o espírito dos Heróis
Se tudo fosse como nos filmes, Portugal teria de ser um super-herói a lutar contra a Alemanha, França, Bélgica, Itália, Espanha e Inglaterra
DESTA vez caímos do lado errado. A notícia boa é que para tal acontecer foi necessário apurarmo-nos no grupo da morte deste bizarro Euro-2020, que se joga em 2021 e se espalha, como o vírus, sem querer saber de povos, de Estados e de fronteiras.
Mas é verdade que, tanto quanto se podem fazer previsões em futebol, o lugar certo era o segundo do grupo. É verdade que nos obrigaria a jogar já em Wembley, com a Inglaterra, juntando os dois países europeus que, por ironia, são dos mais atingidos pela nova vaga da pandemia, na sua versão delta. Mas se por mérito ou sorte passássemos o teste inglês, teríamos uma passadeira até à final. Aconteceu-nos isso há cinco anos, em França. Uma conjugação de resultados improváveis na última jornada da fase de grupos arrumou-nos no lugar certo da sala para dançarmos até Paris, onde pudemos brilhar no baile de gala. Nem sempre se pode pedir a intervenção dos deuses e, desta vez, caímos no lado errado. Para terem uma ideia do que estamos a falar, talvez valha a pena dizer que se tudo fosse como nos filmes, Portugal teria de ser um super-herói a lutar contra adversários tão poderosos como a Alemanha, a França, a Bélgica, a Itália, a Espanha e, eventualmente, a Inglaterra.
Dito assim, sem anestesia, nem preparação mental, a hipótese é um choque violento, pior, um pontapé no fígado. Para podermos acreditar que seria possível levar o sonho até Wembley, só mesmo acreditando muito no espírito de Heróis dos jogadores da Seleção, mas devemos reconhecer que seria uma situação estranha, essa, de ver Portugal contra todos e cada um dos melhores da Europa.
Cristiano Ronaldo, capitão da Seleção
Não há alternativa? Há! É sempre possível acreditar que o futebol desencoraja a vulgaridade e a rotina do previsível e que uma ou mais seleções consideradas como grandes candidatas à vitória final acabe por tropeçar e cair, a meio do caminho. Fosse como fosse, a missão precisa de criatividade na aventura e de muitos efeitos especiais para poder dar certo e acabar com a glória cénica de um género de Rambo à portuguesa.
Admito que o leitor esteja a achar a prosa de uma premonição negra e que comece a falar com os seus botões (se não estiver a aproveitar o sol e a praia): ‘é pá, este gajo está já a preparar o funeral da Seleção’. Não é verdade. Em primeiro lugar, e decisiva razão, porque uma Seleção nunca morre. Cai e levanta-se como qualquer outra. A diferença está na dignidade como se cai e a na coragem com que se levanta. Ora, aí, a Seleção portuguesa não perde para ninguém. Em segundo lugar, porque poucas são as suposições e as subjetividades do que possam atribuir-me, porque, na verdade, eu baseio-me em factos. Em terceiro e último lugar, porque por muito poderoso e heroico que seja o gladiador, há limites humanos para tudo. Ou seja, dizendo as coisas que verdadeiramente penso, sem aquela preocupação nacional de ser politicamente correto e consensual: não acredito no milagre da multiplicação dos títulos de campeão europeu. Pode acontecer, mas seria muito para além de ver um porco a andar de bicicleta.
E isto, por estranho que vos possa parecer, não desvaloriza nem a Seleção, nem o selecionador, nem os jogadores. O que eu gostava, mesmo, é que Portugal conseguisse um jogo, nem que fosse um único jogo, em que conseguisse expressar a extraordinária plasticidade do seu futebol; um dia em que mostrasse que havia muita gente errada e que, afinal, o futebol também pode ser ópera, mesmo quando bem jogado. Talvez que não se possa exigir tanto aos nossos melhores tenores, que têm as vozes tão cansadas, mas cada um terá o seu sonho e este é o meu.
ESSA QUESTÃO DE PÔR OS MELHORES
Todos os treinadores têm uma frase comum: «Ponho os melhores em campo.» Parece uma frase simples e não é. Começa porque os melhores são os que tornam melhor e mais forte uma equipa e isso nem sempre significa que seja a soma dos melhores valores individuais. Depois, porque o melhor de hoje, pode não ser o melhor de amanhã. Por fim, não há melhores que sejam sempre melhores. E abdicar da ideia de estatuto é mais difícil do que parece. Veja-se Portugal. A experiência mostrou-nos que havia melhores que estavam no banco.
E EU, IGNORANTE, APENAS PERGUNTO
Na inconsequência política que se baseia na teoria dos ioiôs, Portugal reconfina o que antes desconfinou. Fecham-se restaurantes, esplanadas, espaços comerciais a horas de sol esplendoroso e de calor. Entretanto, acaba o ano escolar e dezenas e dezenas de milhares de estudantes entram em tempo de férias. E eu, pobre de mim, epidemiologicamente ignorante, como não sei, pergunto: não seria melhor ter restaurantes, bares e esplanadas abertas, com limites e obrigações, do que deixar tudo à inesgotável imaginação festiva dos jovens?