Ressuscitar!
A fortíssima possibilidade de Jorge Jesus vir a ser, dentro de dias, anunciado como treinador do Flamengo é, antes de mais, uma boa notícia para o futebol português, porque é o reconhecimento de um dos maiores clubes do mundo na qualidade e competência de um dos melhores treinadores portugueses de sempre, sendo, ainda por cima, esse enorme clube que é o Flamengo considerado o maior clube de futebol do Brasil, com uma massa adepta que já foi calculada em qualquer coisa como 40 milhões de seguidores (a maior de um clube em todo o mundo!), habituados a defender as cores e os ideais de um emblema que foi, durante décadas, o porta-estandarte do mais belo futebol... do país do futebol!
O Flamengo, não esquecer, é o clube do Zico! É dos poucos clubes brasileiros que nunca desceu de divisão. Já ganhou tudo, apesar de não ganhar nada de verdadeiramente importante há muito tempo e de há dez anos não conseguir ser campeão brasileiro, por exemplo.
Mas já foi campeão do mundo de clubes e campeão da Libertadores. É a equipa mais vezes campeã carioca - o estadual, no Brasil, é também importante, porque no Brasil cada estado parece um país. Além disso, o Flamengo joga no mítico Maracanã e a ideia que muitos da minha geração têm é que só joga no Maracanã quem joga bem, e, na verdade, cresci a ver, maravilhado, o Flamengo do Zico, do Leandro, do Mozer (sim, esse mesmo, que também brilhou no Benfica), o Flamengo do Júnior, do Andrade, do Adílio, do Tita…
O Flamengo (que tem Clube de Regatas no nome porque nasceu da paixão pelo remo de uma certa elite social do Rio de Janeiro) é gigante no prestígio e na história. E só deixou, nos últimos anos, de ser gigante no futebol jogado porque perdeu muitas estrelas e porque, de um modo geral, o futebol carioca perdeu capacidade de competir com as equipas de Belo Horizonte, São Paulo, ou, ainda mais a sul, Porto Alegre, onde, dizem, se joga um futebol mais ‘europeu’, taticamente mais rico e mais forte, e com uma intensidade bem superior à das equipas do Rio de Janeiro, mais acostumadas e tendencialmente mais inclinadas para dançar o jogo, com aquele futebol menos corrido, de pé para pé, como há uns anos defendiam alguns treinadores - nada de bola no espaço e nada de loucas correrias, nem de muita agressividade.
É pelo menos o rótulo que vem tendo nos últimos largos anos o futebol das equipas do Rio, seja pelo calor, pelo Carnaval, pela luz ou pelas praias da Cidade Maravilhosa…
O que irá Jesus encontrar no Flamengo não deverá, certamente, ser muito igual ao que Jesus sempre se habituou a construir em Portugal, isso parece consensual, e sabendo o que é Jesus como treinador, o que é Jesus como profissional do futebol, o que é a exigência de um treinador como Jesus, intolerante com a indisciplina e com desvios profissionais, intolerante com a falta de rigor e com a falta de empenho e determinação, é possível que o aguarde o interessantíssimo desafio de tentar transformar o futebol e a mentalidade do Flamengo, não direi do dia para a noite, mas talvez do amanhecer para o pôr do Sol…
Fantástico, por um lado, volto a sublinhar, esta muito provável ida de Jesus para esse gigante do futebol brasileiro e mundial que não deve haver alma que não conheça. Com Paulo Bento, que teve experiência mal sucedida no Cruzeiro de Belo Horizonte, Jesus deverá assim tornar-se dos poucos treinadores portugueses a treinar na primeira divisão do futebol brasileiro, e isso não pode, repito, deixar de orgulhar os portugueses, porque nos devemos sentir, de algum modo honrados, por vê-lo a caminho de assumir os destinos de um clube que é o rosto do futebol do país irmão, único a celebrar por cinco vezes com a seleção o título de campeão do mundo!
Nenhuma dúvida, também, da competência e qualidade de Jesus para transformar o Flamengo e voltar a colocá-lo no caminho dos títulos nacionais e internacionais; faltará, porém, saber se o Flamengo, a equipa do Flamengo, os jogadores do Flamengo e o futebol do Flamengo têm capacidade para aguentar a pedalada de Jesus quanto a exigência profissional e força competitiva. Com Jesus não dá para chover no molhado; ou é ou não é!
Pode Jesus ter uma personalidade que não é fácil, mas mostra, como treinador, e é isso o que realmente importa, qualidades ímpares que têm feito (reconhecidamente) dele um dos treinadores que melhor potencia, por exemplo, as qualidades de um jogador, e que melhor liga as características de cada um para fazer da equipa uma equipa mais forte!
Esta provável ida de Jesus para o Flamengo tem ainda uma outra magia, que não sei explicar, talvez resultante dessa ideia de que alguns brasileiros ainda se acharão os maiores do futebol, porque se dizem reis do verdadeiro perfume do futebol, e de há muito donos de uma bola redonda, desde o tempo em que muitos outros, para cá do Atlântico, se debatiam com a alegada... bola quadrada.
Se posso, nesta provável nova aventura de Jesus no estrangeiro, com a tal magia de ver Jesus ir trabalhar para o país do futebol, com o perfume do futebol, a paixão pelo futebol, a música do futebol, deixar algum desejo, é o desejo de que o Flamengo tenha a humildade de compreender o que pode ganhar com um treinador como Jorge Jesus, porque se não tiver essa humildade não vai certamente conseguir compreender que pode, com Jesus, voltar a ter no seu futebol a dimensão que tem o clube, voltar a ter um futebol ganhador e, de novo, campeão, capaz de desafiar as mais europeias equipas de Belo Horizonte, São Paulo ou Porto Alegre.
Se o Flamengo compreender bem o que pode ganhar com Jesus, se aceitar que Jesus pode ressuscitar a magia do Flamengo, e se dispuser a absorver a experiência de um homem como Jesus que sabe tanto do que é o tão intenso e competitivo futebol na Europa, então o Flamengo voltará a ser o Mengão com que a geração dos Zicos chegou a impressionar o mundo. Boa sorte, Jesus!
JÁ muito foi dito e redito sobre a final da Taça de Portugal com que se deixou cair o pano sobre a época de competições de clubes no nosso País, como acontece nalguns outros países europeus, que terminam também as épocas com a final das respetivas taças (a segunda competição de cada país, naturalmente) porque na realidade a festa das finais de Taça são normalmente uma bonita e esplendorosa forma de fechar a cortina de cada época do futebol.
Apesar do adiantado da época, apesar do desgaste de equipas, apesar do calor e apesar do deficiente relvado do Estádio Nacional - que pena o estado do relvado do Jamor… - foi até um espetáculo bem emotivo o Sporting-FC Porto do último sábado, jogado a um ritmo bem apreciável para o momento e para o escaldante ambiente, com o FC Porto a ser muito mais tempo superior ao Sporting e quase sempre mais atacante e mais perigoso.
Perdeu o FC Porto e já se disse e escreveu igualmente muito sobre como perdeu, e conseguiu, mais uma vez, o Sporting ir estando sempre em condições de discutir o jogo (ao ponto de o ter vencido no chamado desempate por penalties) porque, creio, teve sempre boa noção das suas limitações e quem tem boa noção das limitações mais possibilidades tem de se superar, que foi o que o Sporting fez. Mas restam-me ainda algumas outras inevitáveis notas sobre o que ficou da bela tarde do Jamor:
- o francês Mathieu (que atuação portentosa!!!) confirmou porque foi tão importante para o Sporting conseguir renovar com ele;
- o Sporting fez o que podia (e até o que muitos não acreditavam que pudesse) para fechar a época com a tremenda dignidade de merecer toda a felicidade, e dar aquela sempre tão boa sensação do dever cumprido a um presidente que há um ano se preocupava em consolar um destroçado Rui Patrício e agora celebrou com ele (esteve na tribuna do Jamor) a emoção que todos desejaram tanto voltar a viver;
- Brahimi confirmou a ideia de que chegou a esta final a pensar já muito mais nele do que na equipa;
- Sérgio Conceição (de quem gosto bastante como treinador, volto a dizê-lo) tem realmente de deixar de confundir não gostar de perder com mau perder, que é o que ele mostra ter (da forma mais deselegante que se imagina) com atitudes como a que teve, na tribuna do Jamor, com o presidente do Sporting.
PS: Foi, como sempre é de esperar quando se opõem equipas britânicas, um grande espetáculo (é sempre um grande espetáculo um jogo entre equipas britânicas mesmo quando o jogo não é muito bem jogado, como foi, aliás, o caso de muitos momentos da 1.º parte) este Chelsea-Arsenal da final da Liga Europa que esta semana abriu, digamos, o apetite para a final da Liga dos Campeões, que este sábado concentra em Madrid o olhar de muitos milhões de espectadores para seguirem esse jogo do outro mundo que todos esperam que venha a ser o Tottenham-Liverpool. O que mais me impressiona quando vejo defrontarem-se equipas britânicas que de britânicas já não têm, na verdade, muito, é precisamente a cultura britânica que mantêm, a cultura que as leva a jogar com tanta seriedade. Julgo que não preciso de dizer mais nada.