Rei na barriga
TEM Rui Vitória num ponto razão absolutamente indiscutível: o seu Benfica cumpriu com todo o mérito o (essencial) objetivo de se qualificar para a fase de grupos da Liga dos Campeões. Quanto ao resto, as razões de Rui Vitória já serão muito mais discutíveis. A começar pelo que disse o treinador do Benfica após o jogo da Grécia, ainda por cima irritado, como se não fosse exigível ao Benfica ultrapassar este (muito inferior) adversário grego.
Como ganhou, Rui Vitória falou como se já estivesse tudo previsto e planeado há muito tempo para ser assim. Falou com o rei na barriga, como se o Benfica tivesse feito duas grandes exibições neste play-off. Pode Rui Vitória afirmar-se totalmente convencido com o trabalho que vem realizando no Benfica e ninguém lhe pode levar a mal por isso.
Pode Rui Vitória (e tem obviamente todo o direito de o fazer) exigir respeito por esse trabalho, exigir que não se ponha em causa esse trabalho, e tem ainda o direito de considerar que esse trabalho está, na opinião dele, a ser muito bem feito, e de afirmar que já há muito tempo que estava a ser planeado e desenvolvido para chegar aqui.
Pode Rui Vitória falar como se ninguém o pudesse criticar, a ele e à equipa. Pode até escorregar na incoerência de, num dia, não querer saber ou falar de finanças, por, como ele disse, não ser essa a sua área, e, no outro, apressar-se a lembrar aos críticos que se preparavam, no entender de Rui Vitória, para «subtrair» os 43 milhões de prémio de chegada à Liga dos Campeões, que devem agora somá-los, alegadamente ao mérito do treinador e dos jogadores na conquista deste objetivo, como se tivesse sido um feito extraordinário. Mas não foi.
Extraordinário teria sido o sucesso do PAOK. Isso sim, teria sido extraordinário. Tão extraordinário como escandaloso para o Benfica.
Tem Rui Vitória o direito de reclamar para si todos os méritos e mais algum na chegada do Benfica à fase de grupos da Champions. O que já não tem é o direito de nos obrigar a gostar do futebol que o Benfica joga, e muito menos de nos obrigar a reconhecer que o Benfica joga sempre como grande equipa e faz tudo o que deve fazer de acordo com a capacidade que têm os seus jogadores.
Como ganhou, Rui Vitória lá se lembrou de falar nos 43 milhões que desvalorizou na véspera e foi até mais longe, ao sublinhar a valorização da equipa e dos jogadores em mais de 200 milhões. Não se duvidando dessa avaliação do treinador do Benfica, é no mínimo estranho que Rui Vitória não tenha tido a humildade de passar aos adeptos a mensagem de confiança em não verem repetida desta vez a miserável participação da equipa na fase de grupos da Liga dos Campeões da última época.
Volto ainda ao derby do último fim de semana para lembrar os contínuos sinais de talento dados pelo jovem João Félix, uma espécie de mistura entre João Vieira Pinto e Rui Costa, realmente um jogador que parece sair um bocadinho fora da caixa do que vai mostrando ser o futebol do treinador Rui Vitória, mais mecanizado do que pensado, mais estruturado do que imprevisível, mais seguro do que ousado, mais linear do que inteligente, precisamente ao contrário do que vai revelando como jogador o jovem João Félix, alguém que dá a ideia de gostar de olhar para o jogo e questioná-lo, que procura permanentemente a melhor ideia, alguém que prefere correr riscos a resignar-se apenas à organização que o treinador impõe à equipa.
Em Portugal (e quase só em Portugal, na verdade…) parece haver sempre muito receio de apostar num jogador tão jovem como é João Félix, mas honra seja feita a Rui Vitória que, motivado ou não por algumas circunstâncias, parece realmente ter menos receio de o fazer, e talvez venha mesmo, com o andar da carruagem, a dar a João Félix ainda mais espaço na equipa do que tem dado até agora.
A propósito de João Félix, vale ainda a pena lembrar que no espaço de menos de uma semana, foi a segunda vez que conseguiu fazer tanto em tão pouco tempo em campo. Aconteceu frente aos gregos do PAOK, na Luz, quando, em apenas 11 minutos, isolou Ferreyra para um golo desperdiçado, e quase conseguiu, num remate com o pé esquerdo, fazer o 2-1, no último suspiro da águia, levando a bola a passar bem juntinho ao poste esquerdo do guarda-redes grego, e voltou a acontecer sábado, com o Sporting, quando, desta vez em 19 minutos, fez o magnífico golo do empate e ainda se viu derrubado por Jefferson, em falta para penalty não assinalado, num lance que passou em claro não apenas ao árbitro e videoárbitro como à maioria dos analistas.
João Félix entrou na área, saltou para tocar a bola de cabeça e quando ainda estava no ar sofreu claro empurrão de Jefferson, que não quis jogar a bola, nem olhar sequer para ela, apenas se preocupou em tocar no jovem jogador do Benfica, conseguindo desequilibrá-lo.
O tipo de lance sobre o qual, pelos vistos, poucos se comprometem quando se trata de um jogo desta natureza, envolvendo dois grandes, nem mesmo antigos árbitros hoje comentadores, o que me faz, confesso, muita confusão, quando passamos a vida a ouvir discussões absolutamente inúteis sobre alegadas grandes penalidades supostamente provocadas porque a bola tocou ligeiramente no braço de um jogador ou raspou ao de leve noutro… e depois vejo desvalorizar-se uma clara falta para penalty como a que foi cometida pelo lateral-esquerdo dos leões no jogo da Luz.
A jogada que envolveu Jefferson e João Félix não oferece qualquer dúvida. Seria falta em qualquer zona do campo, porque Jefferson não quis jogar a bola e empurrou claramente um adversário que estava, ainda por cima, em suspensão, e portanto, tendo sido na grande área do Sporting, deveria ter levado o árbitro João Godinho a assinalar a respetiva grande penalidade.
Na avaliação desse lance, João Godinho não fez afinal mais do que confirmar o fraco trabalho de arbitragem realizado na Luz, mostrando estar ainda muito longe do nível que se exige ao árbitro de um jogo com a dimensão e o impacto de um Benfica-Sporting, já agora, um jogo que o Benfica podia ter ganho mas que o Sporting mereceu não perder.
PS: Luka Modric ganhou ontem o prémio de Jogador do Ano da UEFA, numa festa toda ela descaradamente dedicada… ao Real Madrid! Se o prémio é da UEFA e premeia a época europeia dos jogadores, então Cristiano Ronaldo deveria ter sido, claramente, o vencedor; se inclui também a carreira no Mundial, então é realmente muito estranho que não tenha tido no pódio qualquer campeão do mundo. Modric é um grandíssimo jogador e não tem culpa nenhuma disto!