Reflexões  breves sobre o clássico

OPINIÃO04.02.202001:10

Abençoados adversários  que águia e dragão defrontaram a uma semana de distância do grande acontecimento da ronda 20, no Dragão, pelas dúvidas que ajudaram a dissipar e pelas sábias indicações que deram a Lage e a Conceição, alertando para debilidades que persistem ou convidando ao investimento em soluções que se desvalorizaram sem motivo aparente. Dois jogos pedagógicos de onde se extraem, através de singelo exercício jornalístico,  meia dúzia de reflexões breves sobre o próximo clássico, três no interesse do Benfica e outras tantas no do FC Porto.

Benfica

Na visita do Belenenses à Luz, na sexta-feira, uma vitória encarnada que parecia fácil, como a vantagem de dois golos ao intervalo prenunciava, transformou-se em suplício para os adeptos benfiquistas, de repente agitados pelo fantasma da última época, em que também idêntica vantagem se esfumou num instante, sem retorno:  
1.ª -  Uma série  de treinos  intensivos, de forma a suprimir comprometedoras e recorrentes falhas na concentração, na atitude e na decisão, talvez seja recomendável. Que os adversários costumam atacar o Benfica na profundidade entre Ferro e Grimaldo não é novidade, mas apesar dos sucessivos avisos a brecha continua lá, convidativa para nela penetrarem. Nas situações mais recentes, aconteceu com o Aves, o Rio Ave e agora com o Belenenses, neste caso com a agravante de  Petit, astuto, ter explorado o apagão de André Almeida, com as consequências que se conhecem.
2.ª -  Quando o Belenenses marcou e o nervosismo  começou a bloquear a águia, Pizzi já havia sido substituído, destapando-se, então,  outra fraqueza, procedente da inexistência de alguém que segurasse  as pontas e mantivesse  incólume o verdadeiro espírito de grupo.  O  cenário era de crise, o estádio pressentiu-o, embora   Lage tivesse demorado dez minutos a  reagir para repor ordem na casa, com Gabriel. A  intranquilidade, porém, já se tinha generalizado e prova disso foi  o desassossego que consentiu o segundo golo belenense, impróprio de um campeão, de um líder que se intimidou, e não devia.
3.ª -  Para a família benfiquista a dúvida central é esta: no clássico, com ou sem Taarabt? É normal, os adeptos gostam do seu estilo desajeitado.  O marroquino, autor de bonito golo, é um elemento útil no plantel, mas apenas isso. Neste jogo com o Belenenses, que lhe correu às mil maravilhas,   na sua fase de maior exigência, em termos de organização, estabilização e recuperação do controlo, Taarabt continuou virado para o seu umbigo, empolgado pelos aplausos e sem cabeça para se concentrar  no essencial, que era a reequilíbrio organizativo e anímico  do coletivo. Não se trata de  um reparo, é a constatação de uma realidade.

FC Porto

No sábado, o FC Porto passeou a sua superioridade no Bonfim, marcou quatro golos e outros quatro ficaram prometidos, com toda a naturalidade deste mundo. A única surpresa, pelo menos para mim, é o Vitória de Setúbal somar 25 pontos, não me lembrando de lhe ter visto uma exibição em casa minimamente entusiasmante. Antes de receber o dragão, em nove jogos no Bonfim,  conseguiu 14 pontos, cinco golos marcados e quatro sofridos, três com o Sporting e um com o Guimarães. É a chamada estratégia  do pontinho que Conceição desmontou num abrir e fechar de olhos:
1.ª -  O FC Porto arrumou as peças e as coisas voltaram  a sair com fluidez e confiança. Lances bem desenhados e golos bem construídos. Os destemperos  narrativos do treinador setubalense não passaram de  manobra de diversão na medida em que sua estratégia falhou porque Conceição a amarrotou.
2.ª -  Das vinte questões que Miguel Sousa Tavares colocou ao treinador portista creio que pelo menos duas terão sido respondidas. Todos os treinadores são caprichosos e os seus caprichos costumam sair caro aos clubes, como frequentes vezes  ouvi dizer a  Medeiros Ferreira, em programa da Antena 1, conduzido por Tiago Alves, em que participavam também  Alfredo Barroso e Miguel Guedes. Sérgio Conceição não foge à regra e tem os dele, que já custaram pontos ao dragão. Insistir em Corona a lateral-direito ou  ostracizar Luis Díaz, que forma com Alex Telles uma asa esquerda demolidora,  sem  benefício  claro e óbvio para a comunidade, só se compreenderá  à luz da autoridade desregulada que os treinadores detêm.
3.ª - Marega ficou de fora em Setúbal, mas a ausência não foi sentida. Pelo contrário, viu-se um Porto consistente e criativo, à esquerda e à direita. Penso que a dispensa do maliano teve já o clássico no horizonte: não atravessando uma fase positiva, a equipa  ficará a ganhar se lhe derem arte em lugar de força. Antes do período das experimentações, criou-se, e bem, a ideia de Sérgio Conceição ter trabalhado o plantel em dois sistemas, um para consumo interno, com dois avançados, e outro  para as competições europeias, com um terceiro médio e o desvio de Marega para o flanco direito. Tal como apresentou em Setúbal, mas com Corona titular e  no sítio certo, um jogador menos assustador, mas, indubitavelmente, de superior requinte técnico.