Reconvertido a Jesus
O Benfica tem vivido uma espécie de ‘era Jorge Jesus’ na última década - mesmo depois de ele ter saído da Luz [empurrado por Luís Filipe Vieira] no verão quente de 2015. Sem grande surpresa para quem esteve atento aos últimos desenvolvimentos, o folhetim JJ-Benfica promete novos capítulos dada a vontade (obsessão?) de LFV, num espampanante flic flac à retaguarda com mortal encarpado, de ter Jesus de volta depois de perceber, não sem alguma amargura, que nenhum Pocchetino desta vida tem vontade de liderar uma equipa que não risca nada na Liga dos Campeões e que compete num campeonato que é praticamente confidencial para lá de Badajoz.
Ao longo destes últimos cinco anos Jorge Jesus tem progredido imenso na escala de valores de Vieira. Depois de ter sido declarado morto verão de 2015 («já não se enquadra no projeto do Benfica») e posteriormente repescado para uma espécie de purgatório que evoluiu, nos últimos dois anos, para uma reabilitação assumida em declarações avulsas… ei-lo finalmente ressuscitado pelo homem que, despeitado pelo desaforo de Jesus ter escolhido o Sporting em vez da solução que ele cozinhara com Jorge Mendes, lhe moveu um processo judicial de 14 milhões, acusando-o disto e daquilo. É claro que esta pública reconversão de Vieira a Jesus fez vítimas pelo caminho - anoto duas importantes: Rui Vitória e Bruno Lage - e transformou o treinador do Flamengo numa espécie de sombra a pairar sobre todo o futebol benfiquista. Que se avolumou com o impressionante sucesso de Jesus no Flamengo.
Percebo por que razão Vieira fez inversão de 360 graus e quer Jesus de volta. São novamente amigos (além de vizinhos), falam a mesma linguagem e Vieira sabe que precisa de fazer qualquer coisa impactante para travar a perda de popularidade - e crédito… - junto dos votantes benfiquistas. Contratar Jesus é algo de muito impactante - trata-se de uma figura hipermediática que é, sem favor, o melhor treinador português da atualidade -, embora Vieira tenha obrigação de saber que Jesus está longe de ser uma figura consensual no universo encarnado. Mas é um treinador que já provou ser capaz de incendiar a Luz com futebol de grande qualidade e fazer sonhar os adeptos benfiquistas. Com ele ao leme (sendo Jesus muito melhor treinador do que era em 2009, não esquecer esse pormaior…) julgo que o Benfica [como há dias frisou na BOLA TV o José Manuel Delgado] fica muito mais perto de recuperar a identidade que andou a perder nestes últimos anos. Sim: a identidade que Jorge Jesus construiu entre 2009 e 2015 e que nem Vitória nem Lage foram capazes de sedimentar. Sobre o balanço de Jesus nesse período a doutrina continua dividida. Há os que acham que ele ganhou mais do que perdeu e os que garantem que ele perdeu mais do que ganhou. Fiquemo-nos pelos factos: em seis anos Jesus ganhou dez títulos (três campeonatos) e levou o Benfica a duas finais na Liga Europa - perdidas, é certo. Facto: nenhum treinador do Benfica conquistou tantos troféus como JJ. Nenhum.
A confirmar-se o regresso, ambos (LFV e JJ) devem estar preparados para serem confrontados com aquilo que cada um disse (e fez) ao outro no seguimento do divórcio litigioso de 2015. Como não se pode reescrever a história - aquilo que foi dito e feito - como Estaline fazia na URSS, será curioso ver de que maneira os adeptos benfiquistas aceitarão, ou não, as explicações que lhes forem dadas. Sendo certo que, no futebol, as vitórias e os títulos tiram aos adeptos a vontade de fazer perguntas incómodas. Como Vieira bem sabe.
Por falar nisso. Se por algum motivo o folhetim JJ não tiver o fim desejado, como vai Luís Filipe Vieira explicar o desfecho depois de ter movido mundos e fundos para convencer Jesus a voltar?