Ratos e homens

OPINIÃO20.06.202004:00

Os grandes feitos desportivos da pandemia têm sido os velhinhos a correr nos quintais. Digo-o com ternura e tristeza, afinal tão próximas. Refiro-me ao veterano de guerra, Tom Moore, 99 anos, que angariou milhares de libras para o serviço nacional de saúde britânico. Ou ao médico belga Alfons Leempoels, 103 anos, que brilhou nas notícias a dar voltas pelo bairro. Ou ao americano  James Campbell, mais novo, que correu uma maratona no quintal, durante quase cinco horas, num espetáculo que se transformou televisivo.  Há muitos.

Admirando a nobreza das causas, parecem eles, e nós (porque nos simbolizam), ratinhos a correr em rodinhas num desnorte irracional e, talvez, algum divertimento. O New York Times reportou há tempos uma experiência científica com ratos, colocando as tais rodinhas no meio do mato, para testar até que ponto os animais usavam a roda e concluiu que sim, que a usam mesmo que possam ir-se embora quando quiserem, não estando engaiolados. Ou seja, parece que talvez os próprios ratos detetem naquele exercício de voltinhas no mesmo sítio alguma espécie de recreação e não apenas a resignação de quem levanta barras de pesos no pátio da prisão.

Ratos e homens, tão diferentes numas coisas, tão iguais noutras. Toda a gente conhece a pergunta que fazemos quando os tempos apertam, aos demais ou ao próprio espelho, se somos homens ou ratos. O tema é longo e antigo. Steinbeck escreveu Of Mice and Men, que não é sobre ratos, mas antes sobre planos falhados. O título é para sempre arrepiante, de bem escolhido, e o autor rebuscou-o de um poeta escocês,  Robert Burns: «Mesmo os projetos mais bem pensados, sejam eles de ratos ou de homens, acabam por dar-nos tristeza e sofrimento e nunca o prémio desejado.» Talvez seja isso que sinto ao ver corridas no quintal, confesso: um projeto bem pensado e ainda assim uma inevitável tristeza e sofrimento.