Questões de génio
O que Sérgio Conceição é no FC Porto (e o que Bruno Lage poderia ter sido no Benfica...)
TENDO Nélson Rodrigues morrido em 1980 continua o mais fantástico cronista que a língua portuguesa tem (OK, o mais fantástico não, porque ainda mais fantástico é António Lobo Antunes) - e foi ele que o descobriu:
- No futebol, o pior cego é o que só vê a bola...
Apesar de vesgo, no futebol nunca via só a bola - dando-lhe insinuantes e poéticas metáforas como, por exemplo, o «complexo de vira-lata» (nas atribulações do cão sem dono, ao deus dará...). Antes de Sérgio Conceição chegar ao FC Porto era esse «complexo de vira-lata» que se via a insinuar-se no Dragão - num futebol cada vez mais de rosto amarrado nos pés e de alma de feriado na cabeça. (O rosto amarrado e a alma de feriado também são criações de Nelson Rodrigues - para falar do que há de sombrio no jogo de uma equipa a atormentar-se ou a apequenar-se...)
Aliás, se se ia vendo um FC Porto assim, através do olhar de Nélson Rodrigues, via-se, igualmente, na criação de um outro génio (tão fantástico como o Nélson Rodrigues ou o António Lobo Antunes nas suas crónicas - e no mais…): no Bernardo Soares do Fernando Pessoa - o ajudante de guarda-livros zonzo e sempre imune à alegria no seu anuviado emprego da Rua dos Douradores
tão exigente como uma sesta…
no Bernardo Soares a incomodar-se de si próprio no desânimo que se lhe soltava ao mirar da sua fotografia, no escritório baço, vendo nela apenas
um rosto tão desinteressante.
E se deixou de ver FC Porto assim (ou cada vez mais assim...) foi porque Pinto da Costa conseguiu levar para o FC Porto o único treinador que lhe poderia dar o regresso ao futuro no espírito de Pedroto. Com um outro espírito e um outro estilo obviamente (e bem diferentes...) Bruno Lage talvez pudesse ter feito o mesmo no Benfica. Não fez porque aconteceu o que se sabe - e, claro: não me estou a referir ao que aconteceu, um destes dias, no Teatro dos Sonhos, em Manchester - em mais um desconsolo de Ronaldo...