Questionar a liturgia

OPINIÃO17.05.201904:01

Sérgio Conceição

O técnico do FC Porto voltou a provar o seu valor como chefe de equipa e a sua competência como técnico. Depois de na transacta temporada ter reconquistado o título para o Dragão, os azuis e brancos correm agora sérios riscos de nada vencer (para lá, claro, da Supertaça, ganha logo no início da época). Primeiro foi a malfadada Taça da Carica, perdida para o Sporting no desempate por grandes penalidades. Depois foi a eliminação da Liga dos Campeões, nos quartos de final e às mãos, perdão, aos pés, do Liverpool, finalista favorito da competição. Agora, em vésperas de se jogar a última jornada do campeonato, também o estatuto de campeão se afigura como praticamente perdido. Ficará então a faltar apenas a final da Taça de Portugal. Se o FC Porto triunfar persistirá um travo ainda pouco doce. Se não vencer a amargura será total. Sem embargo, defendo a manutenção do técnico. Lembrando, porém, que não há nunca razão alguma que justificar possa a metamorfose de uma vantagem de 7 pontos numa desvantagem de 2 (mas que valem por 3). E não esquecendo que bastava ao FCP ter vencido o Benfica no Dragão (mesmo perdendo na Luz) para já ser campeão, ainda antes da última jornada.

Bruno Lage

Virtual campeão no ano de estreia como técnico principal. Uma segunda volta quase imaculada, na qual cedeu um único empate. Recuperador de jogadores que se julgavam perdidos. Postura pública equilibrada. Coragem admirável no lançamento de atletas que ainda há um ou dois anos eram juniores, como Ferro, Florentino ou João Félix. De negativo, nesta primeira fase de sonho, apenas a campanha europeia. Mas tudo indicia que o Benfica tem treinador para muitos e bons anos. Parabéns!

Telejudoca

A judoca portuguesa Catarina Costa ganhou a medalha de bronze no Grand Slam de Baku. E então? Isso é notícia? Não, infelizmente não é. Notícia foi a derrota de outro judoca nacional, no mesmo torneio, após os 13 (treze) bravíssimos e longuíssimos segundos que durou o seu combate. Causa técnica da heróica derrota: ter deixado cair o telemóvel durante o combate. Facto histórico, porque jamais visto na história do judo. Mas que raio de coisa quereria o rapaz fazer com o telemóvel durante a luta? Espetá-lo no adversário? Filmar-lhe o esgar de dor? Gravar o som da audiência? E agora o que se seguirá? Calma, que até à próxima edição dos Jogos Olímpicos de 2020, onde o nosso telejudoca tem lugar reservado, por ocupar o 16.º lugar do ranking da sua categoria, ainda há tempo para congeminar algo de mais grandioso.

Acólitos anónimos

Uma coisa que normalmente faço, antes de ter acesso à edição impressa deste jornal, é consultar o site www.abola.pt. E foi aí que li isto: «O polémico jogo entre Rio Ave e Benfica (2-3), em Vila do Conde, para a 33.ª jornada da Liga, vai custar castigo de pelo menos um jogo a Hugo Miguel (o árbitro principal) e Luís Godinho (o VAR), procedimento habitual em caso de erro(s) grave(s), o que significa que os seus nomes não vão constar nas nomeações para a última jornada, no próximo fim de semana.» Como infelizmente não consegui ver o jogo entre o Rio Ave e o Benfica, estarreci de curiosidade. Porquê polémico? Porquê castigar o árbitro principal e também o VAR? Que erros graves lhes são imputáveis? Que havia de habitual em tais práticas? Procurei averiguar e, como suspeitava, depressa concluí que tudo não passava de uma tempestade num copo de água. Tanto alarido só porque nem o árbitro nem o VAR descortinaram uma grande penalidade grosseira na área do Benfica? E por logo de seguida também não terem visto um óbvio fora de jogo na área do adversário, que invalidaria o golo dos encarnados? Ora, meras queixinhas e choradinhos de quantos maldosamente ainda sonhavam com algum desacerto das águias. Mas isso é o mesmo que questionar toda uma liturgia, com um rito próprio, um carisma único, uma fé inquebrantável, uma vocação transcendental. Perante isto, de que vale pretender dar a ideia de que se castigam dois meros acólitos* deste culto? Afinal de contas, fizeram algo de contrário aos cânones que os governam? Agravaram porventura os seus sumo-sacerdotes?

*Nota: procede da língua helénica o vocábulo akólouthos, substantivo masculino que significava companheiro, companhia ou acompanhante. No percurso entre o étimo grego e o português contemporâneo o termo acólito não só não perdeu o seu sentido original como ganhou uma nova dimensão semântica, passando também a designar aquele que ajuda à missa.

Não pode o santo, pode a Santa

Há que o reconhecer claramente, com o maior realismo e o máximo de lucidez: o Santa Clara não tem qualquer hipótese de vencer no Estádio da Luz e, consequentemente, evitar a conquista do título por parte da equipa da casa. A não ser que o Clube Desportivo Santa Clara, de Ponta Delgada, Ilha de São Miguel, Arquipélago dos Açores, fundado em 1927, conte com a intercessão da própria Santa Clara, a qual, na noite do Domingo de Ramos de 1211, com 18 anos, deixou a casa de família para se juntar aos frades menores da ordem franciscana. Dois anos apenas após a sua morte, em 1255, foi elevada aos altares. Da bula de canonização lavrada pelo Papa Alexandre IV consta o seguinte:

«Quão vivo é o poder desta luz* e quão forte é o brilho desta fonte luminosa**.»

(Notas: *refere-se a outra luz; ** refere-se a outra fonte de luz)