Queremos o Mourinho do início
JOSÉ MOURINHO foi despedido pelo United da família Glazer exatamente três anos e um dia depois de ser chicoteado pela segunda vez pelo Chelsea de Roman Abramovich. Os motivos basicamente foram os mesmos. O fraco desempenho da equipa e a má relação de Mourinho com alguns jogadores importantes. Em qualquer dos casos, a verba indemnizatória (extraordinariamente simpática) é de molde a compensar o trauma. Nem outra coisa seria de esperar tendo em conta que estamos a falar de um treinador que está no topo do futebol mundial desde 2003. A fraca figura que o United fez em Anfield (1-3), perante o eterno inimigo, onde se apresentou (e atuou) como equipa pequena, e as declarações mais ou menos derrotistas de Mourinho no final do jogo foram a gota que fez transbordar o copo. Ed Woodward entendeu que o United com este Mourinho não iria a lado nenhum. E olhando à realidade, se calhar não está enganado.
Digo este Mourinho porque ele hoje tem pouco a ver com o Special do inicio. Só um bajulador completamente cego será capaz de não ver que Mourinho está a atravessar o pior momento da carreira. Que, por ser globalmente fabulosa, torna quase incompreensível a degradação da sua imagem nas últimas quatro épocas. Não só por causa do futebol que as suas equipas praticam (cada vez mais boring), sobretudo quando comparado com outras do mesmo patamar desportivo e financeiro; também pela perda da aura que fazia com o que os jogadores, praticamente sem exceção, o olhassem como um deus - a ponto de um durão sarrafeiro como Marco Materazzi ter chorado como uma criança na noite em que José deixou o Inter (na final da Champions no Bernabéu). Este último jogo em Anfield mostrou quão longe Mourinho se encontra desse líder carismático e fascinante por quem os jogadores rebentavam os pulmões se ele lhes pedisse. Esse líder agora é Jurgen Klopp, um homem risonho, de bem com a vida e com os outros, e com um carisma extraordinário (a grande diferença é que Mourinho ganhava títulos e finais; Klopp perde-as).
O Mourinho de agora não lembra um vencedor e não me refiro apenas à maneira como ele aborda os jogos. Refiro-me à imagem que projeta. Que é a de um homem crispado, agastado, encurralado, permanentemente zangado com o Mundo e quase sempre desconfiado das perguntas que lhe fazem nas conferências de Imprensa. Enfim, tudo o que um clube de imagem e projeção global como o United não precisa. Quando acordamos todos os dias com vontade de zurzir em alguém (jogadores, dirigentes, árbitros, jornalistas, médicas, bufos, etc, etc) esse é um sinal de que alguma coisa não está bem. Também devo dizer que Mourinho não tem sido propriamente feliz com os jogadores que escolhe (e que o clube paga a peso de ouro). Nos dois anos e meio do Special em Old Trafford, o United gastou 383 milhões em Pogba, Bailly, Mkhitaryan, Lukaku, Matic, Lindelof, Alexis Sanchez, Fred e Dalot. Quantos destes jogadores justificaram a aposta? Quantos evoluirão? Quanto se firmaram como craques de nível Mundial? No mesmo período, o rival Jurgen Klopp gastou 161 milhões, outra fortuna. Mas perguntem ao dono americano do Liverpool o que ele acha de Mo Salah, Sadio Mane, Andrew Robertson, Gino Wijnaldum, Oxlade-Chamberlain, Virgil van Dijk, Alisson, Shaqiri…
Continuarei a seguir de perto a carreira deste extraordinário treinador português, de que sou grande fã desde o inicio, e a torcer por ele (a não ser nos jogos com o meu Liverpool). Continuarei a anotar todos os jogos e respetivas incidências no arquivo de nome ‘Special’. Mas confesso as saudades daquele Mourinho napoleónico, provocador, malicioso, risonho, ousado e sedento de glória que foi o mestre indiscutível do futebol Mundial entre 2003 e 2010. Não quero saber onde e como é que ele perdeu o it (Madrid?) que lhe permitia fazer dos jogadores um exército de guerreiros espartanos dispostos a varrer o Mundo. Apenas gostava de o ver mais sorridente. Mais distendido. Menos zangado. Vá lá homem, anime-se. É um campeão. Ligue o descomplicador.