Quanto mais de Conceição?

OPINIÃO11.03.202113:48

Jogos como o de Turim deviam elevar Sérgio Conceição à condição de grande estratega. Pena é que o discurso não o permita

Q UANDO chegou ao Porto no já longínquo ano de 2017 e disse na sua apresentação, com uma confiança desarmante, que vinha para ensinar e não para aprender, muitos terão desconfiado, adivinhando ali uma certa soberba. Mas passados quase quatro anos ninguém terá grandes dúvidas de que os jogadores que com ele trabalharam e trabalham serão melhores quando mudarem de mãos - mas muitos deles só o vão descobrir posteriormente, tal como aconteceu, por exemplo, com muitos atletas que estiveram sob o comando de Jorge Jesus.
Poderemos questionar o estilo de jogo ou o perfil dos jogadores exigidos por Conceição (mas também imaginarmos o que ele poderia fazer, por exemplo, com o plantel da Juventus, com um talento individual e coletivo muito superior ao dos dragões), mas do que nunca se pode duvidar é da astúcia a ler os adversários. E quanto mais alto é o desafio, mais evidente é o mérito. Quem se lembra do jogo de Manchester na fase de grupos, diante do City de Guardiola, terá encontrado pontos de contacto com as duas partidas frente à Juve, embora com estratégias diferentes - saídas de jogo com passes longos diante dos citizens ou saídas em tabelas frente à Juventus aproveitando uma das debilidades dos italianos: o enorme espaço concedido entre a primeira linha de pressão e as restantes.
Serão vários os segredos para o feito histórico do FC Porto mas há dois dados estatísticos que merecem toda a relevância: os campeões nacionais em título foram a equipa que venceu mais duelos (ofensivos e defensivos) e a que teve maior intensidade de pressing. Dados métricos permitem aferir que no último quarto de hora dos 90 minutos e durante todo o prolongamento, e com menos um elemento, a equipa portuguesa foi muito mais pressionante que a vecchia signora, num encontro que andou a roçar os 70 por cento de tempo útil. E a isto juntemos outro dado importantíssimo: se a Juventus permitiu ao FC Porto, em média, fazer 17 passes antes que os bianconeri lhes roubassem a bola, os dragões autorizaram menos de metade (8).
Jogos como o de Turim deviam elevar Sérgio Conceição à condição de grande estratega, mas infelizmente essa imagem passa imediatamente para segundo plano com o discurso imediato de auto comiseração, do nós contra o mundo, como se cada vitória sua tivesse de ser sempre uma derrota de alguém que não o adversário que acabou de vencer, narrativa que talvez tenha feito sentido nas décadas de 80 ou 90 do século passado mas já não em 2021. Dirá o técnico que a beligerância faz parte do tal «ADN Porto» de que tanto fala, mas este excesso seria admissível num treinador inseguro e cheio de fantasmas, o que não parece ser de todo o caso. E haverá o dia em que irá treinar novamente noutro país, num outro grande clube que também lute por títulos, noutra cultura, portanto obrigado a um discurso aberto a novas frentes. Por aquilo que já fez nestes quatro anos no FC Porto e em circunstâncias tão difíceis, esse tempo estará para chegar.