Quando uma equipa de Sub-16 atua melhor em conjunto do que a Assembleia da República
'Tribuna Livre' é um espaço de opinião, sem periodicidade certa, destinado a acolher colaborações ocasionais de personalidades externas. A BOLA reserva-se o direito de publicar apenas os textos que se enquadrem na política editorial e nos termos éticos de correção e lisura que nos norteiam. Este é da responsabilidade de João Rodrigues Santos, Professor Associado e Coordenador da área de Economia e Gestão da Universidade Europeia
O futebol, enquanto desporto coletivo, assenta fundamentalmente na cooperação, na partilha de responsabilidades e na inteligência tática ao serviço do grupo. Uma das expressões mais claras dessa dimensão coletiva é a forma como a equipa se movimenta e circula a bola com rapidez, muitas vezes recorrendo a passes de primeira ou com dois toques no máximo. Este tipo de jogo, rápido e dinâmico, permite à equipa explorar espaços, desequilibrar a defesa adversária e manter um ritmo alto que dificulta a organização do oponente.
Numa equipa verdadeiramente coletiva, o toque rápido não é apenas uma opção estilística. É uma estratégia essencial para criar superioridade numérica e aproveitar os momentos certos para atacar. A decisão de jogar com poucos toques exige visão de jogo, leitura do espaço e consciência do posicionamento dos colegas. Todos estes elementos sublinham a importância de pensar no coletivo.
É no último terço do campo, junto à baliza adversária, que o individualismo pode ter lugar. Mas, mesmo assim, apenas quando não há alternativas viáveis de passe ou combinação. Nesses momentos, a criatividade individual pode ser decisiva, mas deve surgir como complemento da organização coletiva, e não como substituto.
Um exemplo claro e muito inspirador deste modelo de jogo coletivo pode ser observado na equipa de sub-16 A do Estrela da Amadora. É uma realidade que tenho tido a oportunidade de acompanhar e que espelha de forma exemplar tudo o que o futebol coletivo deve ser. Estes jovens atletas demonstram, em treino, uma notável maturidade tática, sempre apoiada numa circulação de bola rápida, inteligente e solidária. Jogam com poucos toques, criam linhas de passe constantes e mantêm-se sempre conectados entre si. Revelam uma compreensão profunda do jogo como expressão coletiva. O individual surge, pontualmente, mas sempre ao serviço da equipa e nunca como ato isolado.
Quando um jogador coloca o seu próprio desempenho acima do objetivo comum, insistindo em jogadas individuais, dribles desnecessários ou decisões centradas em si próprio, a equipa sofre. O tempo que se perde com ações individuais mal pensadas permite ao adversário reorganizar-se defensivamente. Além disso, a previsibilidade aumenta, porque a jogada deixa de ser imprevisível e passa a girar à volta de um só jogador. Isto compromete o ritmo do jogo, quebra a dinâmica coletiva e, muitas vezes, leva à perda da posse de bola em zonas perigosas, apanhando a equipa descondensada em termos defensivos, deixando assim o coletivo muito mais vulnerável às ofensivas dos adversários.
Pior ainda, o individualismo repetido pode criar frustração entre colegas de equipa, gerar desequilíbrios emocionais e afetar negativamente a coesão do grupo. Um jogador que joga para si e não com os outros transforma-se num obstáculo ao sucesso coletivo, por mais talento técnico que tenha.
O verdadeiro futebol de equipa valoriza o passe simples, o jogo associativo e a inteligência coletiva. O talento individual deve estar ao serviço da equipa, e nunca acima dela.
Num momento em que, face às ameaças externas, a unidade e o coletivo nacionais são mais necessários do que nunca, talvez fosse útil que alguns partidos políticos pudessem assistir a um treino dos sub-16 A do C. F. Estrela da Amadora. Ali, perceberiam que o segredo de uma equipa unida está, muitas vezes, em algo tão simples como jogar a um, dois toques na bola. Cada passe rápido é uma escolha consciente de pôr o coletivo à frente do ego, de acelerar o jogo em benefício do coletivo, e não de brilhar sozinho. No Estrela, esses toques não são apenas técnica. São uma filosofia. Uma lição silenciosa e estratégica sobre como se constrói uma equipa em torno de um objetivo, com inteligência e compromisso partilhado. Estas lições, convenhamos, fazem falta muito para além das quatro linhas.