Quando se trata de Jesus sou ateu
Aproveito a analogia religiosa para dizer que quando mete Jesus sou um simples ateu. Mesmo que seja um Jorge e carregue (apenas) até ao cume do Corcovado as ambições de grandeza do Flamengo num bem maior recheio da sala de troféus.
Não sou fundamentalista, e detesto o mainstream. Não gosto que a obsessão por uma ideia feche a porta a outra que a possa contrariar, mesmo que possa parecer mais estranha ou inicialmente sem nexo. Sou algo cartesiano, preciso de uma reflexão contínua sobre aquilo em que acreditamos. Também não quero que me interpretem mal. Jesus, que tal como o outro tem um adjunto chamado Deus, embora com estatutos e responsabilidades diferentes na ordem natural das coisas, foi responsável por muitos momentos de excelente futebol em Portugal. Tem mérito claro na recuperação do Benfica e nas suas conquistas, e no crescimento do Sporting em campo. No entanto, paradoxalmente, foi também várias vezes inimigo de si próprio e, mesmo assim, todos sentimos saudade da cor com que pintava o futebol indígena. Faz-nos falta a bazófia genuína e o português atravessado que sempre nos divertia, por culpa certamente das aulas a que faltou ou em que não esteve atento na escola da vida. Reconheçamos que a construção que fez de si próprio ao longo dos anos anda perto de uma obra de arte. Incompleta, sim. Tinha de ser.
Acredito que Jesus vá ter sucesso no Fla e impacto no futebol brasileiro, racionalizando o romantismo carioca. No folclore que levantou à sua volta há uma expressão recente de que me lembro e que tenta agora fazer sentido: «Vocês os três façam um quadrado!» O que me faz pensar em Ernesto Valverde e num quadrado mágico com Messi, Suárez, Griezmann e, eventualmente, Neymar. Aí, Jesus ganha de goleada. É dos poucos que só precisa de três.