Qual estrelinha?

OPINIÃO03.12.202106:00

Com o ramalhete já composto, futebol português vê hoje filme de suspense, na Luz

TEM o treinador do Sporting reconhecido aqui e ali a existência de uma «estrelinha» que não apenas o acompanha, de vez em quando, a ele próprio, como também, de vez em quando, a equipa que dela o treinador fez campeã nacional. Gosta Rúben Amorim de lembrar, porém, que a «estrelinha» é coisa que se procura, e na realidade, se há equipa que tem feito por encontrar e merecer a «estrelinha» é, na realidade, o Sporting, tão empenhado e competente tem sido na atitude com que enfrenta cada jogo, como se cada jogo fosse o último e decisivo para o sucesso do seu destino.
Pode, pois, a «estrelinha» ser resultado desse espírito com que o leão de Rúben Amorim surpreendeu toda a gente com a conquista do último título de campeão, mas a verdade é que a «estrelinha» que costuma acompanhar os campeões, lá tem aparecido ao campeão mesmo quando o campeão, neste ou naquele instante, se esquece de a procurar.
Sabe, porém, quem anda no futebol que a «estrelinha» pode ajudar, mas nem sempre é de confiança. Pior: costuma desaparecer quando mais precisamos dela.
O campeão que o diga, agora que se vê privado, só, de dois dos mais importantes e decisivos jogadores da equipa, logo à porta de um Benfica-Sporting que não decidindo nada em matéria de objetivo final, costuma  decidir muito do estado de espírito, e às vezes não só, com que cada uma das equipas passa a ter de conviver nos tempos mais próximos.
Deve, neste caso, considerar-se em claro pior cenário o Benfica (praticamente ainda sem ter visto a companhia da «estrelinha»), que vê aparecer-lhe pela frente (e joga muito do que pode vir a ser o seu futuro esta época)talvez o mais exigente, desafiante e difícil mês de dezembro de que as águias terão memória.
Pode, pois, o campeão ir hoje à Luz com a apreensão de não ter Sebastián Coates e João Palhinha (o melhor jogador do último campeonato e, provavelmente, o segundo mais importante para o leão campeão); mas terá o leão um enorme conforto espiritual - estar suficientemente estabilizado pela chegada aos oitavos de final da Liga dos Campeões e ver o rival Benfica metido nos enormes palpos de aranha que a aranha da competição lhe reserva neste final de 2021.
Recordará o mais otimista dos benfiquistas que na época passada, enquanto não teve Palhinha e João Mário, o leão, já campeão, viu-se, na Luz, a perder por 1-4, antes de, já com Palhinha e João Mário, chegar, por fim a 3-4. Para o leão, desta vez, não haverá Palhinha. E João Mário mudou-se para o outro lado. Que sinal?
É um filme de suspense, para ver hoje, a partir das 21.15 h, no Estádio da Luz.

CREIO que já tudo, ou praticamente tudo, foi dito e escrito sobre o lamentável episódio que o País testemunhou, no último sábado, no desolador Estádio Nacional, quando o Belenenses SAD (julgo que é assim que está registado na Liga) obrigou o Benfica a ser também protagonista de um jogo que fica para a história pelas piores razões e pelos sete golos sem resposta com que os encarnados da Luz venceram um jogo da Primeira Liga, que na realidade nunca deveria ter sido realizado.
Podemos, todos, deitar-nos a encontrar responsáveis pelo sucedido, podemos até entreter-nos a atirar pedras ao telhado dos vizinhos, erguer dedos acusatórios e empunhar bandeiras de (falsas) moralidades. O que não falta são telhados de vidro, e num País que cultiva e promove o pior da clubite aguda, não seria de esperar menos hipocrisia. Tivesse o adversário do Belenenses SAD sido um qualquer outro clube de menor dimensão e teria a discussão dado no que deu ou os (falsos) moralistas revelado as preocupações éticas que fizeram questão de revelar?

Oresponsável pelo que sucedeu no Jamor tem claramente um nome e não vale a pena disfarçá-lo: chama-se Rui Pedro Soares e é o presidente do Conselho de Administração da Belenenses SAD. Ignorá-lo é querer confundir a floresta como uma só árvore.
Estão mal feitos os regulamentos da Liga e devia a Liga ter poderes para impedir que sucedesse o triste e lamentável episódio que sucedeu? Parece não haver qualquer dúvida, ainda por cima neste difícil, exigente e absolutamente imprevisível tempo de pandemia. Se os regulamentos são maus, mudem-se os regulamentos. Se os clubes são incapazes de se governar, alterem-se os fundamentos da Liga. Mas a lei é a lei. E os regulamentos não podem ser para se cumprir quando dá jeito e não se cumprir quando não dá.
Com todo o respeito, até parece que estou a ver, no caso, absurdo, de ter o Benfica acabado por se recusar a entrar em campo, já muito perto da hora do jogo no Estádio Nacional, os arautos da moral (sobretudo os que correm a atirar a primeira pedra!...) virem exigir a derrota dos encarnados por falta de comparência, com o argumento, naturalmente incontornável, de os regulamentos existirem para serem, evidentemente, cumpridos.

NUM contexto completamente diferente, sim, e causas incomparáveis, não posso deixar de recordar, porém, o sucedido num já célebre V. Guimarães-FC Porto, em fevereiro de 2020 (muito pouco antes de se confirmar em Portugal esta maldita pandemia) apenas para exemplificar o que atrás deixo escrito.
Sentindo-se vítima de insultos racistas, o então jogador do FC Porto, Moussa Marega, decidiu abandonar o jogo ao minuto 71. O impacto de tal decisão foi tão grande que o País até pareceu estremecer diante do que deve realmente ter sido o mais mediático caso de racismo em Portugal.
Apesar de todas as tentativas dos companheiros para o demover, Marega foi irredutível, não voltou ao relvado e acabou substituído por Manafá. O jogo prosseguiu e o o resultado manteve-se favorável ao FC Porto, por 2-1.
Mas teria a equipa de Sérgio Conceição permanecido em campo se soubesse que não perderia os três pontos por abandono do terreno de jogo? Não posso, evidentemente, garanti-lo, mas se não enfrentasse os tão discutidos regulamentos, creio que toda a equipa do FC Porto teria acompanhado Marega. A bem da moral!

COMO os regulamentos (melhores ou piores, com mais ou menos hipocrisia) são, na verdade, para cumprir, parece-me que o Benfica não podia deixar e fazer o que fez, ao contrário do Belenenses SAD, que devia ter feito o que, infeliz e lamentavelmente, não fez, quem sabe, se a pensar exclusivamente na receita de bilheteira de um jogo que, apesar de tudo, poderia render (e alegadamente terá rendido) mais de 150 mil euros.
Os jogadores azuis cumpriram ordens com inexcedível dignidade e qualidade possível até chegar a ordem (porquê ao minuto 46 e não ao minuto 35?) de se renderem ao infortúnio e deixarem de ter o mínimo regulamentar de jogadores, obrigando o árbitro a dar por terminado (sim, por terminado, e não interrompido) o jogo. Quanto aos jogadores encarnados, respeitaram o jogo e respeitaram o público - sim, o público, de que poucos falaram, que pagou e foi claramente defraudado.
É possível que muitas perguntas fiquem definitivamente sem resposta, mesmo admitindo que o inquérito disciplinar instaurado pela Liga possa fazer ainda alguma luz sobre a indiscutível página negra que o futebol português foi forçado a viver, perante a incredulidade dos adeptos e da generalidade dos media internacionais.
Num ano, aliás, em que o Benfica tem vindo a viver o que se sabe e viu o seu anterior presidente afastar-se por estar a ser judicialmente investigado, e o FC Porto se vê também agora mergulhado em novo clima de (mais graves) suspeitas criminais, particularmente envolvendo o seu presidente, creio que não faltava mesmo mais nada ao futebol português para compor, definitivamente, o seu pobre ramalhete.
Investigue-se, assim, o que tiver de se investigar, decida-se o que tiver de se decidir, altere-se o que tiver de se alterar, vote-se o que tiver de se votar, castigue-se o que for de castigar e puna-se quem tiver de ser punido. Mas cumpram-se os regulamentos. E, já agora, a lei!

PS: Como não ver atribuída a Lionel Messi a Bola de Ouro de uma revista francesa no ano em que Messi decidiu jogar em França e, mais do que isso, escolheu jogar em Paris? Se Messi ganha por ser o Messi, então o melhor é fingirmos que não percebemos e não se fala mais nisso!