Puxem dos galões - agora todos
Marrocos é uma espécie de espinha cravada na nossa história. E o futebol não é exceção (até hoje, claro). Comecemos por lembrar que foi em território marroquino que começou a gloriosa expansão ultramarina e o inicio do Século de Ouro Português, com a conquista de Ceuta (a 21 agosto de 1415) pela armada liderada por D. João I (foi ferido numa perna e observou a batalha de longe). A Ceuta seguiram-se outras conquistas: Alcácer-Ceguer, Tânger, Arzila, Mazagão (onde deixámos uma fortaleza que é um portento de arquitetura militar), Safim, Mogador, Aguz e Agadir. Também foi em Marrocos que este país sofreu uma das derrotas mais devastadoras. Falamos da batalha de Alcácer Quibir, ou dos Três Reis (4 agosto 1578), marcada pela vitória (e morte, também) do sultão Mulei Moluco… e pelo nascimento em simultâneo do desagradável mito sebastiânico, que ainda hoje, vá lá saber-se porquê, consome as entranhas a muito bom português. Desaparecido em combate el-rei Sebastião sem ter deixado descendência, morta ou feita prisioneira a elite da nobreza nacional, foi-se também a Dinastia de Avis como haveria de ir, dois anos depois, a independência do reino, abocanhado por Felipe II de Espanha (já agora: o terceiro rei que morreu em Alcácer-Quibir foi o sultão Mulei Mohammed, sobrinho de Mulei Moluco e aliado nosso - queria recuperar o trono ao tio e em má hora nos pediu ajuda).
Exatamente 406 depois (11 julho 1986) voltámos a terçar armas com os marroquinos, desta vez no futebol. Foi no tal Mundial do México em que a seleção se cobriu de Saltillo, desde então sinónimo de ridículo. Voltámos a ir ao tapete: derrota por 3-1 em Guadalajara sendo o exército deles liderado por natural de um país que também foi nosso (o brasileiro José Faria). Ainda hoje sinto calafrios só de pensar nesse jogo - decorei dois nomes: Bouderbala e Krimau, que nos enfiou dois secos. Hoje, no majestoso estádio Luzhniki em Moscovo, Portugal enfrenta pela segunda vez Marrocos e não passa pela cabeça de nenhum português a repetição do desastre mexicano. Que, a acontecer, poderia significar para el-rei D. Fernando Santos o mesmo que Alcácer Quibir significou para o jovem e impulsivo D. Sebastião há exatamente 440 anos. Mas não vai acontecer. Primeiro porque el-rei D. Fernando não ataca à doida. Segundo, porque o exército português de hoje tem em Cristiano Ronaldo uma espécie de Santo Condestável capaz de, sozinho, por os próprios castelhanos em sentido! Foi o que ele fez em Sochi, com três espadeiradas certeiras que nos evitaram moléstias mais gravosas com os hermanos. É evidente que Cristiano não pode resolver tudo sozinho e convém que os fiéis escudeiros se cheguem à frente e não o deixem tão exposto -sobretudo os mais jovens, que acusaram excessivamente a responsabilidade do duelo com Castela.
Hoje é preciso puxar dos galões - todos. Somos campeões da Europa e o exército de Marrocos, com todo o respeito, não é tão temível quanto o da Espanha (para quem acha que fomos dolorosamente rabiados pela Roja, sugiro que revejam o que aconteceu aos cavaleiros teutónicos de Joachim Löw na final do Euro 2008 e na meia-final do Mundial 2010 - esses sim, perderam ambos os jogos a zero e ainda lhes doem os rins, coitados. Ou seja, é preciso trocar o espírito calculista e de tração atrás que marcou o plano de batalha com Espanha (sempre mais preocupados em neutralizar as valências deles que puxar pelas nossas…) por uma abordagem mais pró-ativa, de mando, de férrea imposição de vontade - a nossa. Não que esse seja o estilo da era fernandina, é um facto, mas há alturas em que se tem mesmo de mostrar quem manda. Quem tem Cristiano não pode encolher-se. Tem de forçar o destino. Não vamos gritar Por Portugal e por Santiago! como fazíamos há 500 anos nos areais norte-africanos porque os tempos são outros e seria politicamente incorretíssimo. Mas não podemos ter medo de assumir a nossa superioridade e partir para cima das forças marroquinas com a convicção - e a urgência - de quem sabe que esta batalha tem de ser ganha. Ainda por cima, Marrocos não pode jogar com o nulo: tem de arriscar porque foi derrotado pelas forças de D. Carlos Queiroz do Irão (também lá tivemos uma possessão por mais de um século: Bandar Abbas). Por tudo isto, e porque está mais que na altura de sepultar definitivamente o fantasma de Quibir: a eles, Selecção!