Portugal e os olímpicos

OPINIÃO02.08.202107:00

De quatro em quatro anos gostamos de discutir o desporto para lá do futebol. E dizemos mal. Porque nisso somos medalha de ouro

Éassim desde que me lembro e é, provavelmente, assim desde sempre. De quatro em quatro anos, em agosto, a maioria da sociedade acorda (quase sempre aparentemente espantada) para o facto de haver, em Portugal, desporto para lá do futebol. E todos nos tornamos, de forma automática, especialistas em velocidades, comprimentos, alturas, pesos ou discos; em crawl, bruços, costas e, até, mariposa; em ippons, wazaris, yukos, tatamis e shidos; em remos, canoas, pagaias e afins. Deixamos, durante duas ou três semanas, de debater golos, penáltis e foras de jogo e passamos a dar bitaites - muitas vezes com o mesmo nível de sapiência, porque ao contrário do que dizem falar muito alto e mexer muito as mãos (ou, nesta era digital, escrever mais ou menos textos mais ou menos longos nas redes sociais) não chega para convencer os outros (só mesmo alguns...) de que se percebe muito de alguma coisa... - sobre os atletas portugueses que nos representam na maior competição desportiva do planeta ou sobre as condições que lhes são dadas para competirem, ombro a ombro, com países que se importam, verdadeiramente, com o Desporto como um todo. E, claro, quase sempre para dizer mal. Nisso somos campeões europeus, mundiais e olímpicos...
Claro que há, e não só pelo que está a acontecer nestes Jogos Olímpicos, muito a discutir sobre aquilo que se tem feito no Desporto português: os apoios do Governo que o despreza - isso ficou ainda mais evidente neste período de pandemia e pós-pandemia... -, a não ser quando lhe dá jeito aparecer a saudar ou a posar ao lado de atletas - como Jorge Fonseca ou Patrícia Mamona - que conseguem o milagre (acreditem, com as condições que têm é, verdadeiramente, um milagre) de garantir uma medalha para Portugal; ou a forma como o Comité Olímpico e as federações distribuem o dinheiro, mesmo que pouco, que lhes é atribuído; até a forma, se calhar pouco ambiciosa, como alguns dos atletas encaram a participação nos Jogos Olímpicos. São todos temas que merecem, não restam dúvidas, discussão. Mas uma discussão séria, sustentada e, acima de tudo, contínua. Não como se se tratasse de um arrufo de três semanas.
 

Jorge Fonseca conquistou a medalha de bronze em judo e celebrou-a a preceito


Há, não restam dúvidas, muito a mudar. Portugal sair de uns Jogos Olímpicos ao mesmo nível, ou até abaixo, de países como Azerbaijão, Uganda, São Marino, Mongólia, República Dominicana ou Fiji (a lista será, provavelmente e infelizmente, mais extensa) devia ser, por si só, sinal de que há muita coisa errada. Mas a primeira mudança tem de registar-se na própria sociedade. Porque há de um governo ter cultura desportiva quando a maioria (há cada vez mais gente desperta para o que se passa para lá do futebol, felizmente) dos seus cidadãos não a tem e, pior, está pouco interessada em cultivá-la? Para que hão de os patrocinadores gastarem dinheiro em atletas a quem só se passa cartuxo de quatro em quatro anos, e se ganharem uma medalha? Para que hão de os jornais fazer manchetes de modalidades (e neste caso, perdoem a imodéstia, não se inclui A BOLA) se ninguém, ou pouca gente, os compra quando fazem? Vou dar-vos, se calhar, uma novidade: quem decide fazer uma primeira página sabe que nem o jornal, nem a sua família, nem os seus colegas vivem de likes ou partilhas nas redes sociais...
Há, de facto, muito a mudar na forma como se olha para o Desporto em Portugal. A começar na forma como o olham aqueles que, de quatro em quatro anos, vão para as televisões, ou para o Twitter, ou para o Facebook gritar por mudanças. Não precisam, repare-se, de deixar de ver futebol. Basta olharem, também, para o que se passa além dele. Não é assim tão difícil. Quando começarem a fazê-lo ganharão, efetivamente, o direito de poder criticar. Até lá, lamento, não deviam ter sequer o direito de festejar as medalhas que ganharmos...