Portugal e o futuro

OPINIÃO17.12.202205:30

Há ainda uma geração de ouro à espera da grande oportunidade. Seria dramático se Portugal não conseguisse mostrar esse seu tesouro

E U sei. É um plágio desavergonhado do título do livro do general Spínola que abanou o regime da ditadura nacional, à época, liderado por Marcelo Caetano. E no entanto, não conseguia encontrar uma expressão com melhor significado para o que representa este momento de transição ou de virar de página, para o futuro da Seleção que o povo, na sua cativante afetividade, designa, simplesmente, por Portugal.
A saída de Fernando Santos terá certamente razões que o comunicado oficial da Federação não especifica, nem, sequer, sugere. Há várias hipóteses que podem ser desenvolvidas, a primeira das quais e a mais linear é a do resultado desportivo. É verdade que Portugal conseguiu a sua melhor classificação em Mundiais desde 2006 (meias-finais na Alemanha), mas também é verdade que perdeu a oportunidade de ficar, pelo menos, entre as quatro melhores seleções do mundo por ter perdido um jogo decisivo com Marrocos. A esta falha, já de si grave, pode juntar-se a derrota com a Sérvia, em Portugal, quando nos bastava um empate para o apuramento direto para o Mundial, a derrota com a Espanha, que nos afastou das meias-finais da Taça das Nações e, pior de tudo, a acumulação de jogos que levaram a um cansaço mais ou menos generalizado pela consolidação da ideia de que Portugal tinha grandes jogadores, mas que não conseguiam formar uma seleção com mentalidade de equipa grande, sem ambição, sem rasgo, sem brilhantismo, sem convicção, sem autoconfiança e, sobretudo, o que se tornava visível, sem prazer de jogar futebol, o que era um pecado mortal para uma equipa cheia de jogadores virtuosos e que, ainda por cima, mostravam todo o seu esplendor nos seus clubes.
Mas não só da razão desportiva pode nascer a razão de despedimento - com uma versão civilizada, mas foi disso que se tratou - do selecionador nacional. Há ainda uma razão forte que se manifestou de modo demasiado visível e, por vezes, exuberante, na confrontação direta de Fernando Santos com Cristiano Ronaldo. Uma luta aberta entre o selecionador e o capitão de equipa não é, nunca, bonito de se ver e deixa marcas indisfarçáveis na coesão, na estabilidade e na habitabilidade da equipa.
Para dizer a verdade, penso sinceramente que a maioria daqueles que estiveram atentos ao que se passou e às eventuais razões de cada um compreenderam e aprovaram uma inesperada atitude de coragem do selecionador.
Essa mesma sensação terá tido Cristiano Ronaldo, porque o seu grupo incondicional, formado por um forte lóbi familiar, comentou a «ingratidão dos portugueses» e concluiu que «este povo» não merecia um campeão como Ronaldo.
A verdade é que Fernando Santos recebeu a sua generosa indemnização e saiu pela porta dos fundos da Seleção, mereceu um expressivo apoio de muitos jogadores que escolheu para a campanha do Catar e até de quem ficou por cá, mas também se notaram silêncios significativos, sendo, evidentemente, o caso mais elucidativo o do próprio Cristiano Ronaldo. Um silêncio que foi, ao mesmo tempo, um grito de vitória. Porque sendo verdade que no braço de ferro que CR7 manteve com Ten Hag, no United, foi o neerlandês que venceu, agora, no braço de ferro com Fernando Santos foi o capitão que levou a melhor.
As circunstâncias obrigam a dizer que o momento é inquietante e o futuro incerto. Por isso é, de facto, necessária uma escolha de um novo selecionador inatacável no perfil, no prestígio, na autoridade, na competência. Há uma geração de ouro à espera de uma oportunidade. Seria dramático que Portugal a desaproveitasse.


DENTRO DA ÁREA
As estrelas de Bollywood

O futebol é cada vez mais uma indústria de espetáculo. Cada vez menos dos estádios, cada vez menos do povo, mas cada vez mais universal e por isso televisivo. As audiências do Mundial provam-no e até os media mais tradicionais vendem os cartazes de uma final entre a Argentina e a França, como se fosse um combate de boxe entre Mbappé e Messi. São eles as maiores estrelas do momento deste novo Bollywood. Por isso terão de nascer mais estrelas, quando acabar o brilho de Cristiano e de Messi. The show must go on...


FORA DA ÁREA
Muito pobres pouco pobres

O Governo, com um défice perigosamente baixo, decidiu dar 240 euros aos pobres deste País. Segundo cálculos oficiais, um milhão de pessoas. A decisão é manifestamente assistencialista e não tem qualquer densidade de responsabilidade social, porque se aproxima mais do universo da caridade do que do universo da política. Mas há também aqueles que o Governo considera como menos pobres. São muitos milhões de pessoas que trabalham por valores que não são dignos de uma sociedade europeia. Desesperam em silêncio.