Poema (e mais)
Ontem pela manhã, a minha irmã mandou-me novas do tempo que não passa num poema do Manuel Alegre, poeta de meus encantos - escrito, como hábito, com o coração (que não desiste, mesmo triste…):
Lisboa não tem beijos nem abraços/ não tem risos nem esplanadas/não tem passos/nem raparigas e rapazes de mãos dadas/tem praças cheias de ninguém/ ainda tem sol mas não tem/nem a gaivota de Amália nem canoa/sem restaurantes sem bares nem cinemas/ainda é fado ainda é poemas/fechada dentro de si mesmo ainda é Lisboa/cidade aberta/ ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste/ e em cada rua deserta/ainda resiste.
Li e comovi-me (vou revelá-lo: Alegre consegue sempre comover-me, não sei porquê. Ou sei: é porque faz poemas da vida, mesmo quando a vida não anda, como agora, por becos sem saída à procura das linhas do horizonte em arco-íris) - e lembrei-me de Bill Bradley. Conhecem-no, decerto, da política: o senador que andou na luta com Al Gore pela nomeação para candidatura à presidência dos Estados Unidos. O que talvez não saibam é que Bradley foi jogador de basquetebol, ganhou dois títulos da NBA pelos New York Knicks - e contou:
- Após cada treino, quando os outros já lá não estavam, exigia a mim mesmo desafio que era condição indispensável para poder ir para o balneário: encestar 15 vezes seguidas a partir de cada um dos cinco ângulos do campo. Se falhasse um lançamento, o contador voltava a zero. Por vezes, demorava quase duas horas a concluir a tarefa e a chegar, enfim, ao duche. Ser assim fez de mim o que eu sou - e não só no basquetebol.
Percebem porque lendo Alegre me lembrei de Bradley? Porque a luta de todos nós nestes dias de agrura tem de se fazer na metáfora das 15 bolas no cesto. E sem deixarmos de pensar que sempre que resistimos ao medo, o medo se torna mais pequeno - sempre que não atacamos o medo, o medo se torna maior (e a vida menor...)