Pensar verde e branco e a união nacional

OPINIÃO27.06.202004:00

Nasci a 17 de Abril de 1947, o que significa que vivi vinte e sete anos e oito dias sob o antigo regime e mais de 46 em democracia. Portanto, os homens da minha geração, além de terem suportando uma guerra, souberam o que era a ditadura e a falta de liberdade de associação, expressão e opinião. A minha participação na luta estudantil foi muito reduzida, limitando-me a ser interveniente pela via da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, de que tive a honra de ser presidente. Não foi significativa a minha luta, mas conheci homens como João Soares, Arnaldo Matos, Saldanha Sanches e Ribeiro dos Santos, que pagaram com a prisão e a morte o exercício do direito de serem homens livres. Por isso me indigno hoje com certos indivíduos que nunca souberam o que foi esse tempo da União Nacional e da Acção Nacional Popular e que não respeitam esses direitos. Não tanto por mim, mas por eles, que foram referência na luta que parecia ter terminado em 25 de Abril. Não é assim, pois em cada dia se terá de lutar pela liberdade de expressão e opinião, porque ainda há quem tenha saudades desse tempo de obscurantismo, ainda que não o tenha vivido!

Para quem não sabe, designadamente para os que nasceram depois do vinte e cinco de Abril, esclarece-se que a União Nacional foi criada para apoiar a criação e a conservação do regime político conhecido pelo Estado Novo. Foi o único partido político legalmente constituído, ainda que, segundo os seus estatutos, inspirados por Salazar, esta associação não tivesse o nome de partido, pois, segundo o regime vigente, os partidos dividiam a sociedade portuguesa, ao passo que esta agremiação, pelo seu nome - União Nacional - se destinava a unir todos os Portugueses em seu torno. Com uma  organização centralizada e intimamente ligada ao Governo, a União Nacional (e, depois, a sua sucessora Acção Nacional Popular) foi sempre superiormente dirigida pelo presidente do conselho em exercício: primeiro, António de Oliveira Salazar a assegurar a presidência da sua Comissão Central, a título vitalício, e mais tarde, após o seu afastamento do poder, caberia a Marcello Caetano ocupar o mesmo posto. E estas características de centralização e de ligação ao governo e, em especial, a Salazar, foram acompanhadas, durante todos esses anos, pelo monopólio da representação política, dado que toda a oposição política era impossibilitada e perseguida. Foi assim que a União Nacional não teve concorrentes em actos eleitorais, com exceção do tempo após o desfecho do conflito mundial: Salazar cederia algumas liberdades formais às oposições, tolerando a sua participação em campanhas eleitorais e a consequente apresentação de listas. Contudo, a União Nacional e a Acção Nacional Popular garantiram até ao 25 de Abril a exclusividade da representação parlamentar, elegendo sempre a totalidade dos deputados, assegurando igualmente que os três Presidentes da República eleitos durante a vigência do regime fossem sempre aqueles que ela escolhia e apoiava - Carmona, Craveiro Lopes e Américo Thomaz!

Quem não acompanhava o pensamento único do partido único era considerado da oposição, quando não comunista. Quem não era pela União Nacional, era contra o governo e contra Portugal. Foi o tempo do pensamento único.

Os actuais dirigentes do Sporting Clube de Portugal, que se apresentaram a eleições sob o sinal de unir os sportinguistas, fizeram-no afinal com o fim, não de uma união nacional, mas de uma união leonina, isto é, de haver um pensamento único à volta de uns corpos gerentes que não representam a maioria dos sócios sportinguistas. Também praticam o quem não é por nós é contra nós. E depois, com ar de vítimas ofendidas, dizem que os sportinguistas estão desunidos. Gostaria que frontalmente esclarecessem o que de concreto fizeram para unir os sportinguistas!...

Ao contrário do que se quer fazer crer, os sportinguistas estão unidos num ideal e num pensamento único: o Sporting Clube de Portugal! No Sporting não há facções, não há partidos, não há oposição. O Sporting está dividido pelos grupos de interesses que nele existem. O Sporting não está dividido nem nos sócios, nem nos adeptos. O Sporting está dividido, porque divididos estão certos interesses à sua volta. Aliás, a desunião é um chavão muito usado pelos que chefiam ou representam esses interesses, segundo o velho principio de que é preciso dividir para reinar. Se for preciso, vão se distribuindo umas migalhas para que o grosso do pão fique para esses grupos.

Primeiro os interesses pessoais, depois o interesse do Sporting, que alguns hipócritas ainda denominam dos superiores interesses do Sporting. É por isso que o Sporting continua vencedor nas chamadas modalidades, que não atraem muitos interesses que não sejam os que realmente gostam de desporto; não ganha no futebol, porque é à volta de futebol que giram os maiores interesses. Os maiores e os mais nebulosos!

Mas no meio desta imundice em que alguns tornaram o futebol, ainda há quem queira pensar a verdade e branco no Sporting Clube de Portugal. E, na ausência de partilha de pensamento, e insistência no pensamento único, os dirigentes do Sporting mostraram agora a mais completa falta de cultura democrática, recusando-se a participar numa discussão séria e construtiva, que só se compreende pelo falhanço total (eventualmente propositado) na organização de um congresso!

Eu compreendo que os dirigentes executivos, na sua maioria da idade dos meus filhos, tenham nascido depois do 25 de Abril, e, portanto, nada tiveram que fazer para chegar à democracia. Mas que não possuam a mínima cultura democrática para admitir que todos podem dar uma opinião válida para um futuro de sucesso, como foi no passado, com os que nos antecederam, é triste! Mesmo muito triste.

O Dr. Rogério Alves também ainda seria adolescente, mas a sua posição social e profissional de hoje no Estado de Direito e Democrático cria-lhe obrigações que não deve desvalorizar. E como Presidente da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal e entidade mais representativa do clube, tinha obrigação de unir os sportinguistas e não unir-se à arrogância directiva. Onde está a sua independência, perante a Direcção? Lembrar-se-á que no tempo do Dr. Soares Franco votou contra uma proposta da Direcção, apresentando a sua própria proposta? Não venha falar de solidariedade com os outros órgãos!

Foi pensando na sua independência que defendi aqui a sua decisão sobre a assembleia para destituição, embora do ponto de vista jurídico, tenha discordado. Que desilusão, Dr. Rogério Alves!!! Aliás, a mesma desilusão que alguns amigos meus sentiram face à minha defesa da sua posição moral.

E sobretudo lamento que não tenha a coragem de dizer publicamente porque aceitou um convite que depois recusou. Diga aos sócios do Sporting quais os temas que o incomodam, as pessoas de quem não gosta, porque criticam a Direcção. Tenha a coragem para falar verdade aos sportinguistas e diga a eles, designadamente aos que participaram, dos que não gosta e das razões porque não gosta. Diga aos sportinguistas qual o rumo do Sporting? Diga ipsis verbis como se justificou, para que todos fiquem a perceber se o PAG quer ou não a união dos sportinguistas.

Se não tiver a coragem para o vir dizer, então continuará a ser formalmente o Presidente da Assembleia Geral, mas não será o presidente de todos os sportinguistas, porque meu não será certamente, que sou um homem livre e frontal. Com direito, como todos os outros, a não seguir o pensamento único por V. Exª abençoado!...

Nota: Rúben Amorim e os seus meninos continuam a entusiasmar os sportinguistas. Acho que só ele conseguirá unir os sportinguistas nos próximos tempos. Se o conseguir, não valerá apenas dez milhões. Valerá muito mais!...