Pensar a verde e branco!... (1)
Ao contrário do que pensava recebi muitas felicitações a propósito do meu último artigo intitulado A SAD não é papão, mas solução, vindo essas mensagens de alguns sectores que não esperava, designadamente, daqueles que eram mais cépticos quanto à forma de distribuição de capital, para não dizer que defendiam que a esmagadora maioria (ou mesmo a totalidade) deveria pertencer ao Sporting Clube de Portugal.
Não desse sector, mas de outro mais favorável a uma visão moderna que, além do mais, parte do principio que não há outra saída ou solução, disse-me um amigo, comentando esse artigo: «você escreve a verde e branco!» Respondi que, na realidade, o logótipo da via verde tem realmente letras brancas sobre um fundo verde, mas, no momento, algumas palavras que se escrevem sobre esse fundo verde são demasiado escuras, para não dizer negras.
Os símbolos do clube são realmente o leão e as cores verde e branco, por vezes bastante esquecidos. Acontece que não é difícil escrever branco sobre um fundo verde, como é fácil escrever a verde sobre um fundo branco. Basta usar um papel branco e uma caneta verde, que é aquilo que formalmente muitos fazem para querer mostrar o seu sportinguismo, o que, por vezes, não é mais que uma manobra exibicionista de um verde não sentido, nem vivido. Fingir ser o que não é, é aliás próprio dos sonsos, e andam por aí muitos à solta!
Por isso, acrescentei ao meu interlocutor, que mais que escrever a verde e branco, importa pensar a verde e branco, e perceber e sentir que o leão significa força, destreza e lealdade, enquanto apanágio da actuação do Sporting Clube de Portugal e da nossa para com a instituição.
Para pensar a verde e branco necessário é compreender como nasceu este clube, fundado pelo Visconde Alvalade e outros, sob o desígnio de ser um dos maiores clubes da Europa. Assim, vou continuar a pensar a verde e branco, como tenho feito ultimamente, sem me preocupar muito com os que escrevem com tinta verde, azul ou preta, ou até a lápis para apagar quando convém. Hoje resolvi fazer uma viagem às origens, começando pelos estatutos, resultado de um ADN que parece cada vez mais esquecido!...
Esses estatutos abrem as suas portas de monumento histórico com a definição da natureza do Sporting Clube de Portugal - «é uma associação composta de indivíduos de ambos os sexos, de boa sociedade e conduta irrepreensível.»! Isto hoje é história passada, porque, no presente, a história é outra, em qualquer clube e até em qualquer país!
Ainda hoje o Sporting é composto por homens e mulheres. Que sejam todos de boa sociedade - seja lá o que isso for - não me parece. Com conduta irrepreensível, antes de serem sócios, seguramente só aqueles que foram feitos sócios à nascença; depois, mesmo dos que assumiram outras responsabilidades, não se pode dizer que a sua conduta foi ou é irrepreensível. Temos de tudo: os simplesmente admoestados; os repreendidos registados; os suspensos e finalmente, os expulsos.
A propósito destes últimos, convém registar, para memória futura, o que diziam esses primeiros estatutos, bem mais avançados na matéria que os actuais, que se limitam a consagrar a possibilidade de recurso para a assembleia geral, com efeito suspensivo, da sanção de expulsão, que for aplicada, como se sabe, pelo Conselho Fiscal e Disciplinar. Com efeito, refere-se no número 11.º do artigo 23.º desses estatutos que «quando em vista dos motivos que hajam determinado a suspensão, a Direcção julgar que o sócio suspenso deve ser excluído da sociedade, assim o proporá à assembleia geral da qual só poderão fazer parte sócios que tenham pelo menos seis meses de antiguidade ininterruptos». «Esta assembleia será convocada a requerimento da Direcção, deverá efectuar-se dentro do prazo da suspensão, e para essa assembleia, será pela mesa convidado o sócio suspenso para nela apresentar a sua defesa verbal ou por escrito. Depois de ouvidos a Direcção e o sócio suspenso, a assembleia apresentará o seu parecer que será discutido e votado nessa mesma sessão ou em outra se assim for requerido»! Comentários para quê? No nosso passado estão sempre as lições para o presente e para o futuro.
Esclareça-se, já agora, que era a Direcção que tinha competência para «suspender todos ou alguns dos direitos de sócio por tempo não superior a trinta dias, aqueles que deixem de cumprir os deveres impostos pelo artigo 35.º ou que por seu mau comportamento prejudiquem a boa ordem da associação e se afastem das condições marcadas no artigo 1.º, e finalmente aos que por qualquer forma irregular prejudiquem a acção do corpo gerente, obstando ao exercício dos seus direitos e consequentemente ao cumprimento dos seus deveres». Aqui o passado não pode servir de exemplo, por razões óbvias.
Não me quis escusar a dar a minha opinião sobre o que penso da boa sociedade, quando referi seja lá o que isso for!... Para mim indivíduos «de boa sociedade» são pessoas de carácter e, quando digo seja lá o que isso for, é justamente porque isso já não se usa como condição de quase nada, e, designadamente, para se ser admitido num clube, como sócio, dirigente ou simplesmente como trabalhador. E, quando digo num clube, poderia dizer no Governo ou na Assembleia da República, num banco ou em qualquer outra instituição, onde essa condição deveria ser essencial, porque as outras vêm por arrasto.
No tempo em que foram elaborados aqueles estatutos, o carácter era algo que atraía, mas hoje é algo que incomoda. E da falta de carácter resulta a falta de palavra que compromete os projectos, o egoísmo que tudo destrói, a mentira que envenena, a ausência de um ideal que nos deixa sem rumo. E o mal da má sociedade está precisamente na falta de honestidade com que se pensa, com que se trabalha e com que se governa ou dirige. Não há instituição, qualquer que ela seja, que vingue sem carácter.
Estou de acordo com o actual Presidente do Sporting Clube de Portugal quando diz que «ter carácter tem um preço»; mas também ele estará de acordo comigo, quando digo que o carácter está a preço de saldo!...
E, já que estou numa visita ao passado remoto, permita-se-me que diga ao Dr. Frederico Varandas que não esteja sempre a falar no passado recente, na herança recebida, como fazem os políticos quando chegam ao poder, mesmo depois de dizerem que têm soluções para tudo. Não é correcto dizer que se paga o que outros deveriam ter pago, pois também pagamos com o que outros conseguiram que nos fosse pago! Pagarmos o que outros deviam ter pago é aquilo a que o Governo nos obriga porque somos todos portugueses. Porque somos todos Sporting é o Sporting que recebe por nós e nós que pagamos pelo Sporting.
Só existimos, recebemos e pagamos, porque aqueles Senhores que subscreveram os estatutos exigiram que fôssemos «indivíduos de boa sociedade e conduta irrepreensível». É tempo de retomar esse caminho de um bom clube e de uma boa sociedade anónima desportiva - o caminho do Sporting Clube de Portugal, tal como foi concebido pelos fundadores!...