Pela porta pequena
Mais do que nunca coloca-se a questão: até quando terá Luís Filipe Vieira legitimidade moral para ser presidente do Benfica?
SÃO suspeitas demasiado graves aquelas que pendem sobre Luís Filipe Vieira cidadão, mas também sobre o Luís Filipe Vieira presidente do Benfica a partir do momento em que o Ministério Público acredita que este lesou o próprio clube a que preside. As próximas 24 a 48 horas serão das mais decisivas para a história contemporânea de um emblema centenário, porque caso o juiz Carlos Alexandre aplique a medida de coação máxima (prisão preventiva) determinará, de certa forma, a quase impossibilidade de Vieira poder exercer o cargo de líder máximo da sociedade desportiva encarnada e do clube.
Mas mesmo que tal não suceda e o cidadão/empresário/presidente do Benfica saia em liberdade, a pergunta que se deve fazer neste momento é: continua Luís Filipe Vieira a ter legitimidade para se manter como presidente do Benfica? Só o facto de se levantar esta questão é, em si, reveladora do enorme elefante que entrou na sala benfiquista. A legitimidade de que falo é moral e não jurídica. O chapéu da presunção da inocência protege a todos e Vieira não é exceção, mas acima disso há uma ética republicana que deveria ser transversal a todos os domínios da sociedade e os clubes de futebol não são (não deviam ser) exceção, ainda para mais tratando-se de sociedades cotadas em bolsa. É bom recordar, por exemplo, que em 2006 José Veiga decidiu demitir-se do cargo de diretor-geral das águias na sequência de um arresto de bens de que foi alvo devido a um processo contra si movido por um banco do Luxemburgo. Que nada tinha a ver com o Benfica.
Face a tantos indícios, não deveria Luís Filipe Vieira demitir-se e, caso considerasse ter condições para tal, recandidatar-se? Pode argumentar Vieira que já era arguido na Operação Lex quando ganhou as eleições em outubro, mas o quadro de suspeitas elaborado ontem é de uma gravidade muitíssimo superior. Afinal, estamos a falar de eventuais crimes com penas que podem ir a oito anos de prisão. E pode, até, dar-se o caso (impensável para alguns) de o próprio Benfica poder constituir-se assistente.
Luís Filipe Vieira foi ontem detido
INDEPENDENTEMENTE do que possa surgir dos interrogatórios das próximas horas há algo que é incontornável: a imagem do atual presidente do Benfica tem vindo a desgastar-se de uma forma galopante que culminou com a sua audição na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, na qual expôs todo um enorme conjunto de fragilidades que fizeram cair por terra a aura de grande gestor. Mas mais do que isso: serviu para unir pontas soltas até então, entre as quais a relação entre o empresário José António dos Santos, as empresas de Luís Filipe Vieira e o Benfica. Dito de outra forma, Vieira misturou, desde há muito tempo, a vida das suas empresas com a vida do clube.
Do líder benfiquista diz-se, com toda a justiça, que foi importante numa fase crítica da história do clube. Foi, claro que foi. Mas pobre da instituição, empresa ou associação que só enfrenta o presente e projeta o futuro com base nos feitos do passado. Os tempos mudam e quanto maior for o peso acusatório mais pequena se tornará a porta por onde Vieira se arrisca a sair. Só não vê quem não quer.