Pátria e Milkman
PERMITAM-ME, esta semana, uma crónica de recomendações literárias. Apenas porque li recentemente, estranhamente quase de seguida, dois livros parecidos, bons, ambos abordando subtilmente o desporto, com elegância e raro posicionamento.
O primeiro é Pátria, do espanhol basco Fernando Aramburu, romance de ambiente chuvoso e aterrado. Clássico instantâneo. Revisita a coação da ETA no País Basco, com duas famílias amigas que, depois do assassinato de Txato, um homem sossegado perseguido pela máfia terrorista, acabam a odiar-se. Txato andava de bicicleta pelas montanhas da euskal herria e nisso respirava uma aragem enfim desassombrada (depois comprometida pelo enredo). Ali, o desporto não surge na história como caráter glorioso ou identitário da região - e tal seria fácil para Aramburu, usando a Real Sociedad ou o Ahtletic - mas como libertação pessoal. Uma fuga, elástica - porque à realidade se volta. O desporto, em Pátria, não é a pátria. Nem sequer é uma equipa. Representa só um homem. Um homem só.
O outro livro é Milkman, da norte-irlandesa Anna Burns. Tem ponto de contacto com Pátria, na claustrofobia. Acontece numa cidade imaginária, mas que toda a gente percebe ser Belfast durante os Troubles, o conflito étnico e nacionalista que ainda por lá tem marcas. Muros. A protagonista é uma rapariga de 18 anos que, sem saber porquê, acaba entrelaçada numa teia de boatos da vizinhança, numa cidade que na verdade não sabe viver de outra forma. Tudo porque ela é uma rapariga diferente, que lê e gosta de correr pela cidade, comportamentos saudáveis que num sítio enfermo bastam para chamar as atenções do IRA. Tal como Txato pedala em Pátria, ela corre em Milkman. Não corre, afinal, para lado algum. Não consegue sequer correr dali para fora. Corre para dentro.