Para onde caminha o protocolo?
Um lance na reta final do jogo de Moreira de Cónegos deixou muitas dúvidas a quem assistia, em direto, à partida: a carga de Halliche sobre André Pereira teria sido cometida dentro ou fora da sua área? As repetições esclareceram-nos de forma clara e inequívoca: a infração foi fora. Embora, in loco, a ação do central argelino tenha escapado ao escrutínio de qualidade de Jorge Sousa, não se cometeu o pecado maior de sancioná-la com penálti.
A pergunta que muitos adeptos terão então colocado terá sido a seguinte: se o árbitro optou por visionar o lance no ecrã junto ao relvado, porque motivo não sancionou a falta defensiva com o respetivo pontapé livre direto, corrigindo a sua leitura inicial? Por incrível que pareça, a resposta é... porque não podia.
O internacional portuense atuou em conformidade face à interpretação que é dada ao atual protocolo, que - não sendo específico nessa matéria -, só menciona a vertente disciplinar como aquela que pode ser corrigida, após análise inicial a uma das quatro situações convencionadas. Exemplo: um árbitro não vê determinada infração e consulta depois as imagens para saber se essa era ou não passível de vermelho direto. Conclui que, afinal, só justificava advertência. Aí está obrigado a repor a justiça esperada, exibindo o respetivo cartão amarelo. Mas se, por outro lado, for rever um lance que não viu/sancionou tecnicamente - para saber se determinada falta justificava, por exemplo, um penálti - e constatar que essa ocorreu fora da área, já não a pode punir. O jogo recomeçará em conformidade (ou seja, pelo motivo que entretanto levou à sua interrupção). Foi o que aconteceu no Moreirense/FC Porto.
Há vários argumentos que suportam esta incoerência técnico/disciplinar e que vão desde a impossibilidade criada pela própria letra da lei ao impedimento protocolar de punir tecnicamente uma infração não (diretamente) prevista no protocolo. Mas respeitando todas essa premissas, levemos a reflexão para outro patamar: fará tudo isso sentido? Será esse o espírito que presidiu à introdução da tecnologia? Será essa a decisão que as pessoas esperam? Que o futebol espera?
Olhemos, de novo, para o caso concreto: um jogador foi carregado de forma ilegal, em zona perigosa e de forma dura. Fica a sangrar, lesionado e tem que ser assistido em campo. O árbitro viu a infração com os seus olhos mas está impedido de a sancionar. Se ela tivesse ocorrido dez centímetros ao lado (dentro da área), já o poderia fazer. Honestamente... haverá argumento teórico que explique esta injustiça prática? Convém não nos esquecermos, todos, que o protocolo é um meio para atingir um fim. Não um fim em si. São meras diretrizes, linhas de orientação, que devem ter o objetivo maior de servir a verdade desportiva. São como as leis de jogo: apenas um ponto de partida para aplicar, em campo, com sensibilidade e sensatez.
Se a linha do IFAB continuar a ser o de sufocá-lo com enormes restrições, o princípio subjacente à sua existência fica aparentemente comprometido. A tecnologia existe para servir o jogo, não para proteger os seus intérpretes ou para justificar/legitimar os seus impedimentos. Felizmente nada disto parece ser finito e o próprio IFAB parece assumir que este é apenas o começo e não o fim da linha. Por isso é que se espera, para um futuro próximo, que o VAR possa dizer ao árbitro que determinado jogador não pode ser expulso com segundo cartão amarelo (por falta que claramente não cometeu) ou indicar, sem restrições, que determinado pontapé de canto (que pode resultar em golo e definir um jogo, eliminatória ou campeonato) foi francamente mal assinalado.
Não pode haver receio em avançar para aquilo que de mais valioso as imagens podem oferecer às equipas de arbitragem: a verdade que todos veem e que todos esperam. Ao contrário do que se possa pensar, o mais importante não é preservar a autoridade do árbitro em campo. É acertar. É decidir bem. Se isso acontecer, o árbitro e a sua equipa serão sempre os principais vencedores. Os únicos grandes vencedores.