Para o Sporting o ‘fair play’ é uma treta

OPINIÃO11.01.202001:10

HÁ duas únicas maneiras de encarar a decisão do Sporting, que entendeu não aceitar o compreensível pedido de adiamento do jogo com o Vitória, em Setúbal: a maneira legal e a maneira sentimental. A primeira, diz respeito ao cumprimento escrupuloso e integral dos regulamentos, em benefício de objetivos e interesses diretos do Sporting; o segundo, diria respeito a uma louvável atitude solidária, partindo da compreensão dos motivos apresentados pelo adversário e provando que, para a atual Direção do Sporting, ao contrário do que alguns praticam, o fair play não é uma treta.
O Sporting optou pela primeira via. Pode ser criticado, pode sempre dizer-se que Varandas, afinal, é igual a todos os outros, que segue a cartilha de Jesus, que considera que, no futebol profissional, o fair play é uma treta.
Varandas é médico, mas não se impressionou com o relato do seu colega de profissão. Pelo contrário, o Sporting achou que teria o direito de verificar a situação clínica dos jogadores setubalenses ou, numa versão mais popular, achou que podia meter bedelho.
A verdade é que o Sporting, que tem o direito regulamentar de, pura e simplesmente, não ser a madre Teresa de Calcutá do futebol português e não aceitar o adiamento, querendo jogar em condições desportivamente mais favoráveis e objetivamente mais fáceis de lhe permitir a conquista dos três pontos, tem vindo a acumular erros sobre erros na tentativa de justificar o que está justificado pelo seu interesse particular no caso.
O Sporting zela pelos seus interesses. Quer ganhar, e se o adversário tiver de jogar muito debilitado, isso não o impressiona, é o azar da vida. Se ganhar aos juniores, aos suplentes, aos coxos que não acertam na bola, nem de bico, à «equipa de m...» de que pouco simpaticamente falava o treinador vitoriano, tanto faz, vale os mesmos três pontos, como se ganhasse à melhor equipa sadina.
Nos tempos que correm, e, em especial no perturbador ambiente do futebol português, a decisão do Sporting nem sequer tem caráter excecional. É própria da natureza da selva e o Sporting tem por símbolo o leão.
Não devemos ficar surpreendidos, nem, de repente, sentirmo-nos moralmente intolerantes apontando o dedo a quem coloca os seus interesses particulares acima dos interesses da competição e acima dos valores da solidariedade e do espírito de entreajuda.
Podemos, isso sim, dizer que todas as decisões devem ser assumidas com frontalidade e sem hipocrisias. O Sporting tomou a decisão de não querer adiar o jogo, de não aceitar qualquer solução que o coloque mais longe das melhores condições para o vencer e isso não faz do Sporting um clube detestável, nem faz dos seus dirigentes gente abominável. O que também não faz é do Sporting um clube diferente de outros, nem oferece aos seus dirigentes o estatuto eticamente diferenciador, que, por vezes, parece querer fazer crer que merece.
   Quanto à  Liga, devemos admitir, terá feito o possível por ajudar a resolver o problema e será de elogiar que não se tivesse mantido numa versão Pôncio Pilatos e limitar-se a lavar as mãos do problema. Não foi possível o acordo, porque o que o Sporting exigia era, de facto, muito pouco abonatório da competência dos profissionais de saúde ligados ao Vitória.
Fica para o fim o essencial do problema e do qual raramente alguém se lembra: o interesse do espectador, do cliente do jogo, enfim, da razão básica da existência do futebol. O espectador será o principal lesado por acontecer um jogo sem critério de equidade e o mínimo que se deveria fazer era abrir as portas do estádio e não vender bilhetes.