Padre António Vieira

OPINIÃO14.06.202004:00

1 Esta semana a estátua do Padre António Vieira foi vandalizada. Gostava que as autoridades descobrissem o autor ou os autores. Gostava mesmo. É que a ignorância é muita e importa conhecer das razões e das motivações. Há alguns anos comprei, no Rio de Janeiro, uma extraordinária biografia - um esboço biográfico! - deste português singular , nascido em Lisboa em 1608 e que morreu na Baía em 1697. Uma vida longa de «um grande defensor dos direitos humanos lutando a favor dos índios, então escravizados , explorados, trucidados; enfrentou a Inquisição (que, aliás, levou ao seu cárcere),  colocando-se ao lado dos judeus e dos cristãos novos. Em suma era um modernizador». Citei o Professor Clóvis Bulcão naquela biografia referenciada e que deveria ser obrigatoriamente lida pelo(s)  autor(es) daquele triste instante de vandalismo. E mesmo neste jornal de desporto, mas também de resistência e de civilização, de cidadania e de reflexão, de séria vontade  e de forte  persuasão, resolvi ler e reler o Padre António Vieira e trazer , a propósito do Benfica, e do seu delicado momento competitivo e da sua real crise de resultados , alguns dos seus pensamentos, e logo, algumas das suas citações. E serão onze as citações. Já lá chegaremos . 

2 Sei bem que será uma semana, acredito, de efetiva reafirmação do respeito, do poder e da influência do futebol português no seio da UEFA  com a anunciada conquista merecida - pela forte equipa constituída por Fernando Gomes e Tiago Craveiro -, e para Portugal e Lisboa,  da singular fase final desta Liga dos Campeões  em tempo de Covid-19!  Também sei que é a semana do regresso da Liga inglesa, após o recomeço da Liga espanhola e da Taça de Itália. E, assim, e em relação às grandes ligas do futebol europeu , só a Liga francesa antecipadamente terminou o que não deixa , agora, de merecer alguma e dura reflexão e, ainda, até com uma decisão da mais alta instância administrativa a proibir as descidas de divisão. O poder judicial do Estado a impor-se a decisões desportivas! Como tudo mudou… em razão de uma pandemia. A não ingerência do Estado está legitimada. Lá e cá!   Foi , igualmente, a semana em que ficámos  a saber que também a NBA vai regressar,   num novo e interessante modelo competitivo. E o palco dos jogos será a atrativa idade de Orlando - Flórida -, no espaço maravilhoso e emblemático da Walt Disney ( no Walt Disney World Resort). Foi, ainda, a semana em que se perspetiva o regresso da Fórmula 1 a Portugal, e em particular a Portimão e ao seu autódromo. Portugal está, assim, nesta especial onda do desporto. Surfamos a pandemia. E esta, esta  pandemia que nos isola e condiciona, abriu-nos novas portas, outras oportunidades.  Mesmo nesta solidão que nos toca e contagia. Mas sabendo que «o homem mais forte do mundo é o mais solitário»! É mesmo !

3 Vamos aos pensamentos. Ligando-os, permitam a rebelde ousadia, ao Benfica. E às suas circunstâncias. Antes de mais o Benfica precisa de ajuda. Mas «os poucos, se são o que devem ser , são ajuda; e os muitos, se não são, o que devem ser, são estorvo». Quando muitos se intrometem a mandar, mais embaraçam o governo que o conservam, porque  se come o poder um ao outro, ou com a inveja ou com  emulação!  Verdades de ontem e de hoje!  

4 Depois o Benfica tem de ser ambicioso. Desde logo em Vila do Conde face um Rio Ave empolgado e muito bem orientado. Diria que será, sabendo já o resultado do Futebol Clube do Porto, uma verdadeira final! E , citando o Mestre, «não há cousa  que mais mude os homens que o descer ou subir, e o subir muito mais que o descer». Verdade dos Sermões. De ontem e de hoje!

5 Faltam oito jogos para o final desta Liga ainda NOS. A competição será intensa e imensa. Com alguns na angústia da descida e outros no sonho, sempre legítimo, de uma próxima presença nas competições europeias. E «vencer é avantajar-se, competir é medir-se»!  A vantagem de uma presença direta na Liga dos Campeões é imensa. Até em razão do que vai e do que não vai! É a medida!

6 - Em quarto o conselho. Há conselheiros a mais. Mas também sabemos, de experiência vivida e sentida, que «sem conselho nenhuma cousa façamos; porque nenhum homem é tão sábio que não esteja sujeito a errar». E os cemitérios estão cheios, cheios mesmo, de pessoas insubstituíveis!

7 Dor é uma palavra que é comum, nas últimas semanas, na alma e no coração benfiquista. O Benfica  não ganha nem galvaniza, não seduz e não produz. Resultados, por excelência. Que é a essência para uma sonhada conquista! E «a mesma cousa quando é moderada e quando é excessiva produz efeitos contrários; a luz moderada faz ver; a excessiva faz cegar; a dor que não é excessiva rompe em vozes; a excessiva emudece»! Emudece mesmo !

8 A seguir esperança. Que não pode morrer. É que «para a esperança estar inteiramente satisfeita , parte da satisfação há-se pertencer ao desejo e parte à confiança: ao desejo para o alívio; à confiança para o seguro»! Esperança e confiança nos próximos e determinantes noventa - e tal - minutos é fundamental!

9 Sabemos bem que «as obras são filhas dos pensamentos». Mas sabemos, ainda mais nestas semanas  sem resultados, que «em havendo olhos maus, não há obras boas». E a primeira parte de Portimão - a primeira parte! - foi uma obra boa . Que importa mais que repetir, replicar nos próximos  noventa - e tal - minutos!

10 Depois, e em consequência, a opinião. E já o Padre António Vieira nos dizia que «a boa opinião, de que tanto depende o bom governo, não se forma do que é, senão do que se cuida; e tanto se devem observar as obras próprias, como respeitar os pensamentos e línguas alheias»! Isto escrito no século XVI . Parece escrito hoje !

11 Mas sempre o tempo. Tempo que, aqui, são jornadas e pontos. É que «não há poder maior no mundo que o do tempo; tudo sujeita , tudo muda, tudo acaba»!  E até acabar importa acreditar. Exige-se que se acredite. Impõe-se que se acredite e que não se desista! 

12 Daí que o fundamental seja a união. Na diversidade , certamente. Mas «ainda que a multidão se compõe de unidades, as mesmas unidades que divididas são fracas, ou menos fortes, unidas são fortíssimas»! É esta união benfiquista que importa preservar. União que não é nem unanimismo nem unicidade. Mas união no e pelo Benfica! 

13 Por último Portugal. Na certeza que, como já lemos nos Sermões, «em nenhuma parte tanto como em Portugal se gasta tanto papel, ou se gasta tanto em papéis»! E como escreveu em 1670 (!) o Padre António Vieira «dizem que  temos valor , mas que nos falta dinheiro e união, todos nos prognosticam os fados que naturalmente se seguem destas infelizes premissas»! Palavras sábias de ontem. Sábias palavras hoje. E como nos ensina o Padre António Vieira «no nascimento somos filhos dos nossos Pais , na Ressurreição seremos filhos das nossas obras»!  Bom domingo! Com uma visita à Estátua, em boa hora limpa - um abraço, meu caro  Fernando Medina! -, do Padre António Vieira!