Óscar para melhor argumento...
... vai para os criadores da novela Ricardo Horta, que mostra de forma fiel que o futebol, como a vida, pode ser tremendamente injusto
TODOS os mercados de transferências se prestam à sua novela. É assim todos os anos, há muitos anos. Há sempre, pelo menos, uma. Um negócio que se arrasta indefinidamente, com vários episódios, finais felizes ou nem tanto e, como em todas as novelas, momentos de algum drama que quase nos fazem ir às lágrimas e momentos de humor que quase nos fazem chorar de tanto rir. Este mercado não foge, naturalmente, à regra. E embora tenha havido, em Portugal, algumas minisséries que serviram para nos prender a atenção durante alguns dias, há, sem dúvida, uma megaprodução que salta a vista. A que tem como personagem principal Ricardo Horta.
O enredo nem seria, numa primeira análise, demasiado complicado: o Benfica quer Ricardo Horta e Ricardo Horta quer o Benfica. E nas prequelas que antecederam esta novela o Benfica conseguiu, sempre, aquilo que queria. Quis Neres, tem Neres. Quis Enzo Fernández, tem Enzo Fernández. Quis João Víctor, tem João Víctor. Sem grandes dramas - e reconheça-se que alguns destes negócios, em especial os de Enzo Fernández e João Víctor, pareciam ser mais complicados do que o de Ricardo Horta. O problema é que em todas as novelas há sempre um vilão. E os encarnados encontraram, pelos vistos, o seu vilão em António Salvador, presidente do SC Braga que nem se importa de abrir caminho para um final feliz se for bem pago para isso. E até definiu o preço: 15 milhões de euros. O Benfica queria tanto Ricardo Horta que acedeu a pagar-lhos. E como sabia que havia mais uns personagens (Málaga e Jorge Mendes) capazes de colocar umas pedras no caminho acedeu, até, a pagar mais €2,5 milhões para que Salvador tratasse deles. Todos ficaram felizes. O Benfica ia ter Ricardo Horta, Ricardo Horta ia ter o Benfica e António Salvador ia ter os seus 15 milhões. O jogador despediu-se dos adeptos do SC Braga mas, quando se preparava para viajar até Lisboa, ficou a saber que as coisas não seriam, afinal, assim tão simples. Porque, afinal, para tratar dos outros António Salvador, que só tem 33 por cento do passe de Ricardo Horta, ia precisar de bem mais do que 2,5 milhões. Precisaria, pelo menos, de mais do dobro disso.
Ora, o Benfica, que já avançara com €17,5 milhões, não quis dar mais. O que significaria que para resolver o assunto com os outros António Salvador teria de prescindir de uma (boa) parte do seu quinhão. Ora, Salvador, encarnando o personagem de negociador hábil e duro, não está para brincadeiras e garante não estar disposto a abdicar de um cêntimo. Ricardo Horta ameaça recorrer à FIFA contra o Málaga e Jorge Mendes, o Málaga ameaça recorrer à FIFA contra António Salvador e o Benfica ameaça virar-se para outros nomes. Se isto não é digno de um Óscar para melhor argumento de ficção não sei o que será... E é, basicamente, neste ponto que estamos. A novela ainda não acabou mas ninguém sabe se terá, verdadeiramente, novos episódios. Mas embora Benfica e Ricardo Horta - pelos vistos os únicos que querem, verdadeiramente, que as coisas se resolvam - ainda tenham esperanças em ter-se um ao outro, quem assiste de fora já percebeu que dificilmente assistirá a um final feliz.
Entretanto, Ricardo Horta continua a jogar (e bem) pelo SC Braga. Podia ter, por exemplo, entrado pelo caminho que entrou Antony, jogador do Ajax que quer o Manchester United e, sabendo que o Manchester United o quer, se recusou a treinar para forçar o clube neerlandês a vendê-lo. Mas Ricardo Horta não é desses. É - e a forma como se mantém comprometido com a equipa bracarense é prova disso - um grande profissional. Merecia, até por isso, um pouco mais de respeito da parte dos que podiam (e deviam) permitir-lhe ser mais feliz. Mas, como acontece tantas vezes na vida real, as novelas às vezes não são justas. Nem acabam como deviam acabar...
Asaída de Matheus Nunes do Sporting não foi, propriamente, uma novela. Mas foi uma espécie de minissérie com alguns episódios. O Wolverhampton avançou com uma proposta, o Sporting aceitou-a mas o jogador não quis ir-se embora. O West Ham ia avançar com uma proposta mas nem chegou a fazê-lo, porque o jogador não queria ir-se embora. Rúben Amorim convenceu-se que Matheus Nunes era um daqueles jogadores que «têm propostas que lhes mudam a vida e querem ficar no Sporting». Só que, dois dias depois, o Wolverhampton voltou à carga e Matheus Nunes achou que o que lhe foi oferecido lhe mudaria demasiado a vida. E foi-se embora. The end. O problema é que, ao contrário do que acontece habitualmente com as novelas, as minisséries têm, pelo menos, uma temporada 2. E mesmo que já não tenha Matheus Nunes como personagem principal, a forma como a SAD liderada por Frederico Varandas vendeu o jogador e, em especial, a forma como Rúben Amorim lidou com isso pode dar um argumento digno de um filme. E será um drama..