Os três grandes

OPINIÃO15.01.202003:00

1 Há três grandes jogadores na Liga portuguesa que claramente se destacam dos demais. E isto, embora entre os demais haja vários outros que também me enchem as medidas, como, por exemplo - e para referir apenas atacantes, que são os mais preciosos - o iraniano Mohammadi, do Desportivo das Aves, que sexta-feira passada pôs a cabeça em água à defesa do Benfica e causou um sério abalo nos infinitos milhões que é suposto valer a cotação de Ferro, ou todo o trio atacante do Sporting de Braga: o goleador Paulinho, o jovem extremo Trincão, que também deu um baile em Grimaldo no jogo da Taça na Luz (e que Luís Filipe Vieira já deve ter garantido a preço de amigo), ou o extremo do lado contrário, Galeno, que os responsáveis do FC Porto viram evoluir nas suas camadas jovens anos a fio, sem margem para engano sobre o seu valor, mas que depois, como também é hábito misterioso, venderam a preço de amigo a António Salvador.
Mas, de facto, acima destes e de todos os outros, há três que se destacam a um nível superior, quer pela sua qualidade técnica, quer, sobretudo, pela incrível utilidade e rentabilidade que têm nas respectivas equipas. Qualquer deles é absolutamente determinante no jogo colectivo das equipas que integram e os seus rasgos individuais são, inúmeras vezes, decisivos para desfechos vitoriosos. Por acaso, como se aqui se seguissem as regras de constituição dos plantéis da NBA, as quais visam assegurar alguma justiça distributiva para além da capacidade financeira de cada equipa, estes três grandes jogadores estão (no momento em que escrevo...) distribuídos igualmente pelos três grandes do futebol português. Refiro-me, como já devem ter percebido, a Pizzi, do Benfica, Bruno Fernandes, do Sporting, e Alex Telles, do FC Porto. Os três têm em comum algumas coisas, mas não todas: uma inesgotável capacidade física e de entrega ao jogo; uma superior inteligência de leitura de jogo, conseguindo pôr o onze a funcionar em função da sua dinâmica própria; uma excelente qualidade de remate; uma simultânea e notável capacidade de finalização e de assistência para o golo, que é o que sobretudo os move em campo; e, claro, uma exímia faculdade de execução de bolas paradas, seja cantos, livres ou penalties (demonstrando que não existe tal coisa como a apregoada «lotaria dos penalties», mas sim e apenas inteligência e capacidade técnica na sua execução).


Nenhum deles é, à vista, uma figura de atleta de excepção, como um Cristiano Ronaldo, antes pelo contrário, são jogadores que contrariaram a sua morfologia, tirando partido dela através da técnica e da inteligência. Pizzi é um caso notável de um médio-extremo que entra pelo meio na fase final do ataque e aparece quando não se espera dentro da área, com uma capacidade e frieza de finalização que não fica a dever nada a um ponta-de-lança de eleição. Bruno Fernandes é um 8 clássico, como há muito não se vê, um Hernâni ou Hoeness dos tempos em que o futebol tinha espaço e os números 8 e 10 o aproveitavam para construir, distribuir  e rematar. Soma a isso ser um dos melhores jogadores da actualidade na cobrança de livres e um passador de longa distância como não temos outro entre nós. Para mim, é o melhor jogador da Liga portuguesa. Enfim, Alex Telles, escrevo-o há pelo menos três anos, é o melhor lateral esquerdo do mundo (não, não exagero). Defende bem e ataca sumptuosa e incansavelmente. E basta olhar para as estatísticas para ver como ele é, de há muito, o rei absoluto das assistências no FC Porto, o executor incansável de todas as bolas paradas (que são 40% dos golos da equipa - um descanso para os treinadores!) e o único infalível cobrador de penalties dos azuis e brancos.

2 Em tempo, o Benfica renovou com Pizzi e aumentou-lhe o vencimento e a cláusula de rescisão, muito embora e estranhamente, ele não pareça estar no rol dos jogadores encarnados de que eternamente se diz poderem ser vendidos por verbas astronómicas.
Bruno Fernandes parece estar finalmente na porta de embarque para Inglaterra e eu só espero - como esperam todos os portistas e julgo que todos os sportinguistas - que não vá antes do jogo de sexta com o Benfica. Porque se o Sporting sem ele nunca mais voltará a ser o mesmo, o Sporting sem ele, sem Coates e sem Vietto para enfrentar o Benfica é quase uma falsificação ao campeonato. E depois do infeliz episódio do jogo com o Setúbal, despachar Bruno Fernandes antes do jogo com o Benfica e sem lhe dar possibilidade de se despedir de Alvalade, seria um rude golpe na credibilidade e prestígio de Frederico Varandas. Mas certo é que nem o Sporting nem o nosso campeonato voltarão a ser os mesmos sem o seu melhor jogador em campo, por aqui.


Já quanto a Alex Telles, infelizmente parece-me que a Direcção do FC Porto anda a brincar com o fogo há tempo de mais e tudo se encaminha para o ver sair a custo zero no final do contrato, o qual está iminente. Tem uma cláusula de rescisão de 20 milhões, ridícula para o seu valor, e mês após mês, ano após ano, nunca houve tempo nem urgência em segurar aquele que é o mais precioso jogador do plantel. Tiveram sim tempo e dinheiro para comprar pérolas como um Fernando Andrade - cuja aquisição, para mim, qualifica automaticamente como incompetente quem quer que tenha sido responsável por ela - e andam agora ocupados a fingir que querem segurar o Danilo - como se alguém quisesse comprar um jogador que não está a jogar nada e que Sérgio Conceição é obrigado a meter na montra, mesmo que para isso tenha de desfazer toda uma organização central que estava a funcionar bem sem ele. Enfim, assim é fácil administrar.
3A perder por 1-0 ao intervalo, o Braga massacrou o Tondela toda a segunda parte do jogo. Massacrou e atacou em grande, com qualidade e variedade. Empatou aos 76 e chegou ao 2-1 aos 90, numa bela jogada: grande cruzamento da direita de Esgaio, magnífica cabeçada de Fransérgio a encontrar o ângulo entre a barra e o poste e recarga oportuna de Paulinho. Jogada perfeita, golo de belo efeito, justíssimo, sem reclamações nem nada a assinalar pelos árbitros de campo. Mas, alto, que o VAR decide chamar a si a análise do lance! Seguem-se então dois ou três longos minutos de suspense, com os festejos efusivos tornados provisórios e, se calhar, prematuros. Até que vem o veredicto do senhor-fantasma: golo legal por 8 cms! Uff, pode-se festejar outra vez, fez-se justiça e um belo golo não foi anulado por meia mão travessa. Não, o VAR não pode servir para isto e o grito de «Basta!» já soou em Inglaterra. A beleza do futebol, a fidelidade às emoções no estádio e a justiça do jogo visto não podem estar à mercê de uma fita métrica aplicada ao centímetro e de regras tão elaboradas que não têm lógica nem sentido.

4 Assim que os resultados deixaram de aparecer, Mourinho começou a queixar-se das arbitragens - um clássico nele. Depois, queixou-se das simulações ou da dureza dos adversários. De seguida, queixou-se do calendário da Liga inglesa, que tão bem conhece e que tanto elogiou no passado. Agora, queixa-se das lesões, dizendo que só uma lesão de um lateral mudou todos os seus planos estratégicos. E, enquanto avisa que esta época já não haverá nada  a fazer e não conseguirá levar o Tottenham ao 4.º lugar da Champions, também na próxima já vê a pré-época tão complicada que antevê outra época falhada. Mas, entre queixumes, reclamações e desculpas, José Mourinho tem de ter consciência que, falhando, irá para o terceiro insucesso consecutivo em outros tantos clubes ingleses. Sempre pago a peso de ouro, sempre com condições fantásticas de trabalho e sempre indemnizado sumptuosamente para se ir embora. E isso marca e fica colado à pele. Ninguém vai escutar as razões dele, mesmo que sejam válidas. Vão olhar para os resultados e para uma coisa muito simples que se chama relação custo-benefício.