Os treinadores é que sabem
Todos os treinadores, mesmo os mais cotados do universo, se lamentam da crueldade dos calendários e da correnteza de jogos que lhe está associada, mas em Portugal exagera-se. É um ror de queixinhas, por tudo e por nada.
Abel Ferreira era um obcecado pela gestão do plantel, em cada semana, em cada jogo, mas, apesar disso, a última imagem que deixou na Liga Europa foi pobre, ao ser afastado por uns ucranianos de pouco engenho na terceira pré-eliminatória. Cá por casa, na Liga portuguesa, estacionou no quarto lugar, demonstração de que sem necessidade de qualquer tipo de gestão complicada e dando preferência ao mais aptos em cada jogo o SC Braga só poderia arriscar-se a conseguir melhor classificação.
Esta época, a situação é ligeiramente diferente: tem conseguido agradáveis exibições na Liga Europa e encontra-se bem colocado para chegar à fase de eliminatórias, mas, em contrapartida, o desempenho na Liga portuguesa colide com a história e a dimensão do emblema bracarense, nomeadamente desde que António Salvador assumiu a presidência, e já passaram dezasseis anos. O atual 10.º lugar, a quinze pontos de distância do líder, é francamente de menos. A equipa não rende como devia e esse colapso ficou a descoberto na derrota com o Boavista, no Bessa, e no empate diante do Famalicão, na Pedreira.
Ricardo Sá Pinto colocou o acento tónico na projeção europeia sem conseguir disfarçar, no entanto, o temor de a manta ser curta para aconchegar os praticantes em todas as frentes. Para os treinadores é sempre curta, por isso não deve valorizar-se a teoria. A questão central reside na mania exacerbada da gestão, na rotatividade, na preocupação em esconder os jogadores de lesões, como se elas avisassem, enfim, num conjunto de medos inerentes à própria profissão e que sempre existiram.
No caso em concreto do SC Braga, e que poderá generalizar-se, verifica-se que desde o jogo com o Besiktas, o seu treinador, nos três compromissos seguintes, fez duas alterações com o Santa Clara, quatro com o Boavista e também quatro com o Famalicão.
Tanta preocupação ajudará a baixar o risco de lesões, por certo, mas encarece o preço das vitórias devido à maior dificuldade em gerar coletivos rotinados e consistentes, tanto mais que não se conhece clube algum em Portugal com um plantel que, em teoria, e contrariamente ao que se quer fazer crer, para justificar algumas opções técnicas, disponha de dois elementos de idêntico nível, ou aproximado sequer, para cada posição. Excluindo os génios, que esses são incomparáveis, nem nos clubes mais endinheirados do mundo isso se passa.
Quem acompanha o futebol há tempo suficiente para não aceitar quanto lhe querem impingir quase se sente obrigado a concluir que, antes, os jogadores, quinze ou vinte anos atrás, com piores condições de treino e de competição, em terrenos impróprios e ganhando consideravelmente menos, não se cansavam tanto nem se lesionavam mais do que os de hoje.
Aobsessão pela gestão do esforço veio para ficar e nenhuma censura deverá merecer desde que não se confunda, em cada situação, a perspicácia e a sensatez que deve presidir em qualquer medida a tomar com a incontrolável tentação para a teimosia, gastando-se eternidades até um pingo de humildade chamar à razão os treinadores e fazer-lhes entender que nem eles, com o poder absoluto que detêm para escolherem o titular e o suplente ou separarem o convocado do não convocado, estão livres da confrontação crítica. Pelo contrário, devem acolhê-la com a normalidade de quem aprecia os elogios quando ganha e não teme as perguntas quando perde:
Como Bruno Lage, que ostraciza Samaris, sem dar uma explicação em linguagem que se perceba, uma das peças fundamentais na reconquista, e resolveu promover Fejsa e Taarabt em simultâneo à procura de um milagre em que só ele acredita (ou acreditava).
Como Sérgio Conceição, que de uma assentada ignora Alex Telles, coloca Zé Luís no banco e Marega na bancada, pelas melhores razões, do seu ponto de vista. Correu às mil maravilhas com o Famalicão, exaltando-se a destreza mental de quem subscreveu tão sábias mudanças, correu mal com o Marítimo e assim-assim com o Aves. Abençoados adeptos, porém, que fizeram perceber aos jogadores que «têm de estar preparados para e exigência e pressão», disse ele.
Como Jorge Silas, que entrou discreto, foi eliminado da Taça de Portugal, descobriu que não precisava de heróis nem de individualidades e está a ser cúmplice no processo de desvalorização de Bruno Fernandes, assim se ensombrando a carreira de quem deveria pisar os relvados de Inglaterra, de Espanha ou de Itália. Além de, entre um jogo que ganhou e outro que perdeu, ter mudado a tática e três jogadores. Não fez mal, teve azar. Os treinadores é que sabem e a gente acredita que sim…