Os pilares do ‘novo’ futebol

OPINIÃO20.11.201803:00

Na noite do último sábado de A BOLA TV, em conversa sempre animada com o ‘mister’ Vítor Manuel, o tema principal não podia fugir ao empate que Portugal acabara de alcançar em Itália. Um empate sofrido, mas merecido, que nos colocou sem mais conversas na fase final da Liga das Nações, a realizar no verão do próximo ano no Porto e em Guimarães.

De Riade (1989), onde tudo começou, até à consagração em Paris (2016), duas décadas e meia em que quase tudo mudou no futebol português.  

Com Fernando Santos deixámos de chorar o azar para cantarmos a sorte e tão singela alteração ao nível da mentalidade, quer na abordagem da competição quer na atitude do praticante perante ela, explica, em boa parte, a razão de continuarmos a progredir, a seguir um caminho, convictamente, quando, em obediência a gerações impreparadas  e resignadas a causas perdidas mascaradas de ‘vitórias morais’, o normal seria perdermos o norte ao primeiro obstáculo que se nos deparasse: era o mundo contra nós, o desrespeito pela nossa pequenez, dizia-se, ou a incapacidade de respondermos aos desafios dos tempos. 

Assim foi vendida e assim cresceu tão canhestra ideia que pretendia esconder fraquezas e iludir os adeptos com desajustados conceitos.  Alguns, no entanto, perduram, como o do celebérrimo cansaço, em que jogar à quarta-feira servia/serve para justificar eventual derrota no domingo seguinte.

Foram anos demasiados a ouvir lérias como esta até ser desencadeada a ‘revolução’ de Queiroz, imposta pela qualidade do jogador luso que desde então se projetou nos mais majestáticos palcos e nos mais poderosos clubes, como Paulo Futre, Luís Figo, Vítor Baía, Rui Costa, Paulo Sousa, Ricardo Carvalho e tantos outros até se chegar a Cristiano Ronaldo, o melhor do planeta.

O segundo fator de mudança residiu na área do treino, com a ascensão ao topo mundial de José Mourinho a seguir ao admirável desempenho no FC Porto, carimbado com uma Taça UEFA e uma Liga dos Campeões, proeza inimaginável na carta de  apresentação de um treinador português.

Depois de Artur Jorge (campeão europeu em 87), que sentiu na pele  a aversão dos jornalistas  franceses, e também suíços, que sempre encararam mal a convivência com um ‘imigrante’ culto, educado, experiente e bem pago, José Mourinho conseguiu, definitivamente, impor a ‘marca’ deste Portugal à beira-mar ignorado: feitio difícil e dose de presunção quanto baste, como a imprensa britânica aprecia, além de  perceber  que não é com doçuras que enfrenta e derruba a chusma  de ciumentos e invejosos a quem o seu sucesso continua a provocar dolorosas crises de azia. Pois, ser vencedor da Champions, pelo Inter, e da Liga Europa, pelo Manchester United, além de campeão em todos os países onde treinou - Chelsea (3), Inter (2), FC Porto (2) e Real Madrid - não é para quem quer. É só para quem sabe.

Mourinho abriu as portas do mundo aos treinadores sem emprego e muitos deles aceitaram uma realidade incontornável: o futebol crescera mais do que o país. Acreditaram, avançaram e em boa hora o fizeram. Estamos representados em todos os continentes e com fantástica expressão de que a Premier League constitui o caso mais frisante.

A volta que eu dei para aqui chegar a propósito do empate da nossa Seleção no Estádio de San Siro. Que belo empate, não pelo brilho exibicional, mas pela robustez coletiva, pelo sacrifício, pela coragem, por tudo e, principalmente, pela inesgotável capacidade de sofrimento de uma equipa que, tendo abanado, se recusou a cair.

É desta massa que se fazem os campeões e é aqui que encaixa o terceiro pilar do ‘novo’ futebol luso: libertou-se do passado fatalista e encarou o futuro sem medos do desconhecido, pelo contrário, com a consciência plena  de que, sendo tão bom quanto os melhores, é igualmente capaz de chegar tão longe e tão alto quanto eles. 

Fernando Santos trouxe essa ‘ferramenta’ com o Campeonato da Europa, objetivo até aí inatingível, menos na opinião dele.  Libertou-nos  de preconceitos acumulados e deu aos jogadores a força mental que não verga como inequivocamente ficou demonstrado em Milão, perante um opositor fortíssimo e que na sua história talvez nunca tenha corrido tanto num só jogo. 

Foi terrível a pressão e imenso o sofrimento que os portugueses enfrentaram. Com uma diferença, porém:  as pernas jamais lhes tremeram ou deixaram de obedecer à vontade de vencer. Eis o que é jogar bem, se bem interpreto o entendimento do selecionador, o qual, ao descomplicar o futebol, fez impagável favor aos que, como eu, e penso falar em nome da esmagadora maioria, consideram  que o grande fascínio deste jogo reside, precisamente, na sua simplicidade. É  um jogo que convida à discussão e as pessoas querem discuti-lo, porque lhes dá prazer.

PS. Voltando ao princípio, e à noite de sábado em A BOLA TV, sobre o anunciado regresso de Jesus a Portugal, disse que tinha um recorde a bater, ser campeão nacional por quatro vezes. Disparate meu. Otto Glória venceu quatro campeonatos pelo Benfica (55 e 57 e 68 e 69) e um quinto pelo Sporting dividido com Juca (66). Há ainda um senhor húngaro, Joseph Szabo, que foi campeão pelo Sporting três vezes (41, 44 e 54) depois de o ter sido pelo FC Porto (35). Sei que foi há muito, mas contas são contas.