Os operadores televisivos também só se chegam à frente nos tempos de vacas gordas?
NESTES tempos terríveis, em que a vida tem de continuar mas a morte não pára, têm desaparecido, à margem da Covid-19, alguns vultos do desporto que não receberam, pelo contexto em que nos encontramos, o devido tributo. Ontem morreu Stirling Moss, triunfador nas 24 Horas de Le Mans em 1956 (ao volante de um Aston Martin, fazendo equipa com Peter Collins) e vencedor de 16 Grandes Prémios de Fórmula 1 entre 1955 e 1961, entre os quais o GP de Portugal de 1958, disputado no circuito urbano da Boavista, no Porto, e o GP de Portugal de 1959, realizado no circuito de Montes Claros, em Lisboa. Moss foi quatro vezes vice-campeão mundial, entre 1955 e 1958, três delas atrás de Juan Manuel Fangio, antecipando na F1 a saga que Poulidor e Anquetil iriam, na década seguinte, escrever no ciclismo.
PARA conter o mais possível, no futebol, os custos inevitáveis da pandemia que atacou o planeta, tanto a FIFA como a UEFA, depois de algumas hesitações próprias do desconhecimento do inimigo que enfrentavam, chegaram a decisões expeditas, que podem minimizar danos e defender alguns princípios que estavam postos em causa. Além do adiamento do Euro-2020, medida atempada que criou espaço nos calendários nacionais para a conclusão das provas (enquanto que o Comité Olímpico Internacional esbarrava no autismo nipónico, que passou de querer fazer os Jogos à força nas datas previstas, a uma posição de dúvida quanto à possibilidade de organizar o evento em 2021!), foram abertas pistas para o prolongamento das épocas até onde fosse possível, garantindo-se o mérito desportivo dos campeões. O que significa que a fome de bola dos dias de hoje irá transformar-se numa fartura nunca vista num futuro que se deseja próximo. E os operadores televisivos, que andam há décadas a encher os cofres à custa do futebol (usando uma expressão bem portuguesa, por cada porco, dão um chouriço…), que não se queixem demasiado, nem tentem fugir às responsabilidades, porque se há setor de negócio, associado ao futebol, que esteja garantido para o futuro é precisamente o audiovisual.
Mas a FIFA também anunciou ter condições para apoiar o futebol (leia-se as Confederações, que chegam às Federações, que chegam aos clubes) o que pode servir de paraquedas para o salto no desconhecido que está a ser dado. Há que ter consciência, porém, de que muitos danos serão incontornáveis, vigorará o princípio darwiniano da sobrevivência daqueles que melhor se adaptarem às novas circunstâncias (não só no futebol mas em todas as áreas de atividade, à escala global), e não valerá a pena pensar que é possível regressar a uma vida como era antes: há um novo normal à nossa espera.
POR cá, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) não se escondeu e estabeleceu atempadamente parâmetros coerentes:
- Não haverá campeões de secretaria. Para ser outorgado um título, há que conquistá-lo em campo. Este é um princípio inatacável, que deve vigorar em todas as modalidades desportivas.
- Não havendo condições para levar as competições até ao fim, por falta de meios dos clubes que disputam as provas da formação e os campeonatos não profissionais, incapazes de dar respostas que salvaguardem a saúde dos desportistas e demais pessoas envolvidas diretamente na realização dos jogos, a única solução é dar por terminados os campeonatos, abrindo contudo uma exceção para as subidas e descidas de divisão, que podem ser alvo de regulamentação excecional.
- Foi ainda encontrada uma verba, para já escassa, para ajudar no primeiro impacto sofrido pelos clubes. Mas, e este princípio também é válido para os clubes do futebol profissional, o problema que se coloca agora, pode ser a oportunidade perfeita para corrigir erros e distorções que levaram os gastos muito para além das reais possibilidades de cada emblema…
MAS há outras questões que têm sido alvo de alguma mistificação e que urge clarificar. Sabendo-se que continua em aberto a possibilidade de play-offs para determinar subidas e descidas, falta falar de um cenário pessimista, no qual se prolongaria no tempo a impossibilidade de os campeonatos profissionais serem finalizados. Como determinar, então, não só as promoções e despromoções, mas também a hierarquização do acesso às competições europeias?
Uma via de play-off, que limitasse o número de jogos, deverá ser sempre colocada em cima da mesa. Mas, e se mesmo uma versão competitiva reduzida viesse a mostrar-se impraticável, o que fazer?
Em relação a subidas e descidas, uma de duas hipóteses viriam à baila: ou se dava a época por anulada e 2020/2021 iniciar-se-ia como tinha começado 2019/2020; ou aceitar-se-ia a classificação à data da interrupção das competições e agir-se-ia em conformidade.
No que respeita às competições europeias - e salvaguardando sempre que não acabando as provas não haveria atribuição de título - às duas primeiras sub-hipóteses atrás apresentadas, anular a época ou aceitar a classificação, poderia juntar-se uma outra, que passava por seguir o ranking de clubes da UEFA para preencher hierarquicamente as vagas.
Mais difícil, e quiçá prematuro, é especular sobre quem se responsabilizaria por todas estas decisões. Mas confiemos que será possível, até agosto ou setembro, concluir as competições. Esse será, sem dúvida, o mal menor…
OS números da pandemia, em Espanha, teimam em não ceder, e é com redobrada apreensão que olhamos para os 619 óbitos por Covid-19 ontem verificados, mais 109 que na véspera (já morreram 16.972 pessoas). O facto de cada vez mais haver menos novos contágios é o único raio de esperança, num momento-chave em que os espanhóis vão hoje sair da hibernação a que estavam obrigados. O drama de nuestros hermanos tem sido fonte de aprendizagem, e estará a evitar-nos danos maiores na luta contra este inimigo quase invisível a olho nu. Para Espanha, solidariedade sem fim.