Os gajos que marcam golos
Por vezes, por entre pilhas e pilhas de jornais já amarelecidos, misturados com recortes de tudo e mais alguma coisa, só se via o cucuruto molhado por uma espécie de brilhantina e só se ouvia o som metálico da tesoura (zac-zac-zac) a acrescentar recortes aos recortes já existentes. Às tantas, quando algum jogador, menos bafejado pelo amor dos adeptos, marcava um golo inesperado, ouvia-se na redação de A BOLA a voz, semi-metálica, do Ti Aurélio Márcio: «Não sei o que é que vocês têm contra os gajos que marcam golos!»
Elogo falava de um dos jogadores mais mal-amados da história do Benfica: Nené. O antigo goleador dos encarnados era assobiado porque não sujava os calções. E porque não corria atrás de uma bola que sentisse que ia sair pela linha lateral. E porque não dava dois toques para chegar ao golo quando podia marcar só com um. E porque parecia displicente em campo. Porém, argumentava o Ti Aurélio, marcava golos. Uns atrás dos outros. De cabeça, com os pés, com o tronco, com o rabo se preciso fosse. Anos mais tarde, a história repetiu-se com Nuno Gomes. E com Cadete no Sporting. E com Pauleta e Hélder Postiga na Seleção Nacional. De facto, que terão as pessoas contra os gajos que marcam golos?
Éclaro que podemos fazer o exercício ao contrário: que têm os treinadores a favor dos avançados que não marcam golos? E lembramo-nos de Raul de Tomas (com ou sem acentos no nome). Não marca porque fazem autogolos, não marca porque não constrói oportunidades de golo, não marca porque não lhe oferecem bolas de golo. De tudo um pouco. Está ansioso e não esconde a ansiedade. Talvez esteja na hora de descansar. Ou, como vem aí a Taça da Liga, pode ter nova oportunidade. O inverso é Pizzi (tirando o jogo com o Moreirense). Joga e faz jogar, marca e faz marcar. E leva seis golos na liga em seis jogos. Não caiu no goto dos benfiquistas, o que é estranho. É um superjogador? Não. É brilhante? Não. Mas não me importava de o ter nas equipas em que eu fosse treinador.
ESTRANHO mesmo é quando se olha para alguns resultados do Campeonato Nacional de futebol feminino português: 17-0?! 24-0?! Fico sempre na dúvida se não estarei a ver o resultado ao intervalo de um jogo de basquetebol. Porém, se o Ti Aurélio fosse vivo, colocaria a cara por cima das pilhas e pilhas de jornais já amarelecidos e, por entre o som metálico da tesoura (zac-zac-zac), diria: «Que é que tu tens contra as gajas que marcam golos?».