Os feirantes
1Segundo li, os adeptos portistas andarão descontentes com as últimas movimentações de jogadores no clube, manifestando o seu desapontamento nas redes sociais - um mundo que eu não frequento e cuja existência me passa totalmente ao lado. Se assim é, então eu serei excepção: como já aqui escrevi, ando bem satisfeito e, sobretudo, aliviado. Primeiro que tudo, porque temos contratado pouco e, parece-me, com critério, evitando as loucuras de anos anteriores que nos conduziram à beira da ruína, do mesmo passo que conduziam alguns figurantes às portas da fortuna, à nossa custa. Depois, porque essas poucas contratações já conhecidas, juntando-se aos que regressam de empréstimos e aos que são promovidos da equipa B ou dos juniores, me parecem trazer valor acrescentado à equipe à disposição de Sérgio Conceição. Nakajima é um valor indiscutível, Zé Luís, de tão desejado pelo treinador, há de sê-lo também, Saravia e Luis Díaz foram recentemente titulares pelas respectivas selecções na Copa América e não são duas selecções quaisquer: a Argentina e a Colômbia. Esta semana, juntou-se a estes quatro o espanhol Iván Marcano, sobejamente conhecido dos portistas, que lhe têm a agradecer quatro épocas brilhantes como central de referência, antes de ter saído no ano passado para a Roma. Parece que os adeptos mencionados não lhe perdoarão ter saído a custo zero, recusando a renovação do contrato para ir ganhar mais em Itália. Pois, meus amigos, isso é a lei do jogo, não há jogador que não queira ganhar mais. Herrera também se recusou a renovar, a não ser que o FC Porto lhe pagasse 6 milhões por época e saiu a custo zero, tal como Brahimi. A diferença é que Marcano - para mim, melhor e mais importante que Herrera - aceitou vir receber 8 milhões por três anos e, quando saiu, no ano passado, não declarou o mesmo que Herrera agora declarou ao chegar a Madrid: que já era altura de estar num clube grande.
Também contestam os adeptos a saída de Óliver para o Sevilha por 12 milhões. Independentemente de se ter ficado a saber que foi o jogador que impôs a saída em termos tais que o clube não tinha como se opor, o meu comentário é que os meus correligionários só podem estar loucos. O quê, livramo-nos do Óliver, um jogador tipo «Ora-Bolas»!, que parece sempre melhor do que na verdade é, um puxa-para-trás, um jogador que esteve sempre a milhas de justificar o mais alto investimento da história do clube, ficamos livres de ter de lhe pagar 3,6 milhões brutos de vencimento por ano, e ainda recebemos 12 milhões por isso, e ficam contrariados? Devem estar loucos! Pois eu cá agradeço ao Jorge Mendes: não tivesse sido a sua mãozinha mágica a actuar em Sevilha e jamais eu teria imaginado que algum clube pagasse 12 milhões pelo Óliver.
Na verdade, só nos falta descobrir o guarda-redes e, aí, a minha aposta entre todos os nomes falados é Kevin Trapp. Porque não conheço nenhum dos outros e deste, pelo menos, vi parte de um treino específico e fiquei convencido. Depois disso, pode vir ainda um grande médio (mas só vale a pena se for para entrar directamente no onze titular), e, por mim, está fechado.
2A estreia do Benfica contra o Anderlecht não correu bem, com uma derrota caseira por 1-2. Mas consta que houve um lateral-esquerdo, vindo dos juniores que fez um passe para o golo encarnado...e logo foi transformado na nova descoberta luminosa do Seixal. Dois dias depois, Luís Filipe Viera lá estava a assinar a renovação com ele, com a cláusula de rescisão nos 88 milhões - (no Benfica, só há duas categorias de jogadores, a dos 88 e a dos 120 milhões). Esclareceu ele estarmos perante mais uma pérola da «famosa Academia do Seixal». E pus-me a pensar o que, em termos externos, a «famosa» Academia do Seixal já teria produzido. Se a memória me não falha, produziu o famoso Renato Sanches, que tem tido uma famosa carreira no Bayern de Munich: talvez ainda venha a ser uma bela carreira, mas, pelo menos do ponto de vista dos alemães, não chegou lá preparado pela «famosa» Academia. E produziu agora João Félix, cujo valor correspondente ao absurdo preço terá de demonstrar, e que, aliás, passou metade do tempo de formação na «famosa» Academia daquele que passou na obscura Academia do Olival (por acaso, campeã nacional e campeã da Europa em título), e de onde saiu com o aval de um obscuro entendido na matéria.
Mas se o que conta é tomar os desejos por realidades, não pode deixar de se reconhecer como «famosa» uma Academia que só produz portentos futebolísticos que ou valem 88 ou 120 milhões.
3Razão tem Frederico Varandas para, forçado a descer do mundo da ilusão ao da realidade, ir queixar-se a Infantino que não vale a pena fomentar o futebol, mantendo uma Academia - essa sim, famosa - como a de Alcochete, capaz de produzir portentos como Bruno Fernandes, valendo à vontade 55 milhões, se depois os grandes tubarões, fortes da desigualdade financeira prevalecente, tentam levá-lo por 35, confiantes em que, se não for esse, outros lá descobrirão, aos 16 ou 17 anos, para roubarem ao preço da uva mijona.
4Dyego Sousa nunca sairia de Braga para outro clube português por menos de 15 milhões, porque era a joia da coroa e António Salvador tem fama de ser um negociador terrível. Mas eis que ele topa com um daqueles negócios da China irresistíveis e vende o brasileiro aos chineses por...5,4 milhões. Partes interessadas no assunto, Marítimo e Portimonense não acreditam, com toda a legitimidade, nos números anunciados pelo Braga, e sucede-se uma daquelas eloquentes guerras de piropos entre dirigentes, em que o presidente do Braga, decerto muito contrariado, se vê frequentemente envolvido. Mais empurrões entre respectivos seguranças, convites para o Bom Jesus e outras coisas igualmente elevadas.
5Neymar é o protótipo do menino mimado que acha que tudo lhe é devido, permitido e invejado, e que os seus deveres profissionais se esgotam em receber uma fortuna escandalosa por ter nascido com o dom de dar pontapés jeitosos numa bola de futebol. Coisa que faz quando está para aí virado e bem-disposto, mas nunca muito tempo no mesmo sítio, nunca segundo as regras comuns da equipa, nunca solidariamente, porque lhe é indiferente o nome do clube, o respeito pelos seus adeptos e a contrapartida contratual pelos milhões que algum príncipe árabe pagou para o ter a jogar no seu parque privado. Jogadores como Neymar, por maior que seja o seu génio - e é, incontestavelmente - não fazem falta nenhuma ao futebol. Prostituem-no, despem-no de quaisquer valores éticos ou desportivos, levam milhões de miúdos ao engano ao tomá-los como exemplo. Bem podia pôr fim à carreira que o futebol só teria a agradecer-lhe finalmente alguma coisa.
6O oposto de Neymar, como desportista e como ser humano, chama-se Roger Federer. É o maior tenista de todos os tempos, incomparavelmente melhor na sua arte do que Neymar jamais será na dele. Sobra-lhe em classe e estilo o que ao brasileiro abunda em tatuagens e penteados ordinários; é um senhor no campo, perante adversários e adeptos, onde o outro é um monumento de arrogância e imbecil vaidade; é um profissional de uma seriedade inabalável aos 38 anos, face ao diletantismo ofensivo da vedeta brasileira. Numa palavra, é um desportista face a um mercenário. Pela terceira vez seguida, Federer perdeu uma final de Wimbledon para Novak Djokovic. Perdeu muito injustamente, de uma forma quase desumana de imerecida e após cinco horas de jogo - a mais longa final de sempre. Mas, tudo ponderado, para mim ele é o maior desportista que alguma vez vi, em modalidade alguma.
PS - Nas próximas quatro semanas, em este estranho Verão o permitindo, vou dedicar-me à natação. O que equivale a dizer que vou de férias. Tréguas para os leitores.