Os ciúmes que têm do Benfica
Não fosse a transferência de João Félix para o Atlético Madrid, mais os 120 milhões de euros que lhe estão associados, suscitando conversas e discussões ao nível de baiuca de aldeia, o defeso seria uma pasmaceira completa. Sem capacidade para investir no futebol da paróquia o resultado é este, nada de especial acontece.
O Benfica, campeão em título, é um oásis em deserto de ideias. Faz bem o que mais ninguém é capaz, porque tem um rumo e, principalmente, respeita um plano de recuperação e crescimento subordinado ao admirável sentido estratégico do seu presidente: primeiro salvou o clube das cinzas, depois investiu nas infraestruturas, com gastos substanciais que obrigaram a uma travessia longa, mas de risco controlado, até alcançar a estabilidade financeira que lhe permitisse concentrar forças e energias no ousado projeto desportivo. Que está em marcha e, como é obvio e notório, não só coloca a águia em patamar superior comparativamente aos principais emblemas rivais como explica os ciúmes que estes lhe têm e não escondem.
Neste momento, o Benfica reforça-se e rejuvenesce-se, procedendo apenas a acertos pontuais na medida em que o corpo central do plantel se mantém. Será essa, creio, a intenção futura, justificada por uma linha de continuidade assegurada pela academia do Seixal, ficando o recurso ao mercado externo limitado à supressão de carências que os meios internos não conseguirem solucionar.
Nenhuma surpresa, pois, pelo facto de o pilar principal formado por Jardel, Fejsa e Jonas, sobre o qual foi projetada a época transata, ter perdido o protagonismo. O caminho da reconquista a isso obrigou. Abriram-se novos horizontes e os três indispensáveis, de repente, perderam espaço, embora por razões diferentes.
Jardel, ainda com Luisão no ativo, adiou Rúben Dias, mas já não parou Ferro, nem prejudicou o crescimento da futura dupla de centrais da Seleção. Será chamado menos vezes ao palco, mas nem por isso verá diminuída a sua influência na comunidade.
O caso de Fejsa é diferente. O futebol do Benfica adquiriu outra intensidade com novas dinâmicas e debilitou a posição do médio, ao nível da velocidade que não tem e da disponibilidade física que lhe falta.
Jonas é o homem do golo. Sem ele era desgraça anunciada. Além disso, foi tema de discussões infindáveis e de sábios tratados jornalísticos quando Rui Vitória alterou o sistema de jogo. Porém, o avançado brasileiro, detentor de uma qualidade de execução superior, integra-se em qualquer desenho tático. Foi o que fez, provando à saciedade a inutilidade das horas que se gastaram sobre um problema que, verdadeiramente, nunca existiu.
A idade não perdoa, e as dores nas costas também não, mas um jogador com a sua classe quase nem precisa de correr atrás da bola, é a bola que corre atrás dele… Não espantará, no entanto, se não couber no formato da águia 2019/2020. Tal como Salvio, por exemplo. O argentino chegou em 2012, não está em causa a sua competência, mas as frequentes paragens provocadas por lesões somam dois anos de inatividade. É demasiado. O comportamento do Benfica é inatacável ao prolongar-lhe o contrato até 2022, mas as coisas são como são…
O espírito da reconquista trazido por Bruno Lage foi apenas o primeiro passo de um novo percurso. Ou não. O percurso será o mesmo, embora atacado com outra atitude. Com o prazer de acreditar que o Benfica vai voltar a ser campeão europeu, como confessou o diretor-geral Tiago Pinto, em entrevista publicada em A BOLA. É esse o desejo supremo do presidente Luís Filipe Vieira e, garantidamente, de toda a grande família benfiquista.
Os heróis de 1964
Foi em maio de 1964, fez 55 anos, uma idade bonita, que o Sporting conquistou a Taça dos Vencedores de Taças, numa final empolgante com o MTK, que só se resolveu em segundo jogo, em Antuérpia, com o célebre cantinho do Morais. Frederico Varandas poderia ter-se lembrado de evocar a histórica data quando se referiu às mais recentes vitórias europeias do Sporting, que é «melhor que os maiores da Europa», em ano que «vai ser recordado durante décadas», como sublinhou, nas modalidades de judo, goalball, futsal, atletismo e hóquei em patins.
Não se lembrou. Carvalho, Pedro Gomes, José Carlos, Alexandre Baptista, Figueiredo e Hilário, felizmente ainda vivos, teriam gostado de ouvir. E teria feito bem ao orgulho dos adeptos, aos mais velhos e aos mais jovens, os quais devem aplaudir o passado europeu do leão e venerar os heróis de 1964, que na caminhada para o título defrontaram nos quartos de final o poderoso Manchester United: foram goleados em Inglaterra (0-4), mas na segunda mão, em Alvalade, numa reviravolta espantosa e creio ter sido a derrota mais pesada sofrida pelo United em toda a sua história, o Sporting ganhou por cinco a zero.
Nem o ouro olímpico de Carlos Lopes lhe mereceu uma referência de circunstância.
Percebe-se o entusiasmo de Varandas, mas ele também deve perceber que só é presidente há nove meses de um clube que nasceu há mais de cem anos.