Olhar de Matosinhos

OPINIÃO27.10.202206:35

Ao treparmos as escadas da Travessa da Queimada, teremos de dizer ao que vimos

E SPERAMOS que todos estejam bem, que a bola esteja redondinha e à espera de ser acariciada. Quando a gente sorri para o mundo, ele sorri de volta para nós. Ora estamos a sorrir para o mundo de leitores de A BOLA e eles, certamente, não deixarão de sorrir para nós, mesmo nos dias em que haja alguma, mas pouca, malandrice na nossa presença.
Mas vamos lá ao que interessa. Ao sentirmos a felicidade de ser aceite a nossa colaboração no mais antigo e prestigiado diário desportivo nacional, é nossa obrigação fazer uma declaração de interesses para evitar futuras confusões, pois conhecemos bem, ao longo de mais de meio século de pintar o papel com os nossos gatafunhos, conhecemos bem, dizia, as reacções humanas no desporto e, muito, muito mal, no futebol, sobretudo naquele onde correm os milhões.
Ao treparmos as escadas da Travessa da Queimada, já percorridas por milhares de pobres e ricos, de pés descalços ou de doutores, de gente com nome luminoso, cá dentro e lá fora, teremos de dizer quem somos e ao que vimos.
Já estamos fora do prazo de garantia humana, mas ainda podemos pedir a palavra sem gaguejar, só a prótese dentária às vezes descoordena.
Todos temos um clube, isso é fatal e quem não tiver uma tendência deve-se apalpar porque é capaz de já não estar para bom uso.
Nós não somos da Académica, clube que foi e ainda é, mesmo, infelizmente, com as capas pretas rotas. A Académica o cobertor para tapar conveniências de certos senhores da bola. Não, o nosso clube e por quem vestimos a camisola, embora quase ninguém desse valor, jogando mal hóquei em campo, ténis de mesa e voleibol. Fomos um atleta persistente com lugar quase vitalício no banco dos suplentes.
Fácil, portanto, adivinhar-se que o nosso clube é o Leixões. Sócio nº. 36, do lote da juventude dos anos 40. Já sabemos. Podem os leitores exibir o primeiro ‘cartão amarelo’ dessa imensa bancada de A BOLA.
Temos também, uma longa simpatia pelo Benfica, assim a modos do que gostamos do nosso avô.
Uma simpatia embrulhada em saudade de um velho ‘Siera’ que transmitia, julgamos na voz do Lança Moreira, os golos do Valadas, do Julinho, do Rogério, do Arsénio e do nosso conterrâneo Francisco Ferreira, com familiares em S. Mamede de Infesta, terra que tinha, e tem, um clube onde pontificou um futebolista raçudo chamado Jorge Nuno Pinto da Costa. Vejam o que é a vida!
E simpatizamos com o Benfica porque em casa do dono da telefonia (esse sim, homem da Lousã, que nasceu trazido no bico duma águia e não duma cegonha…) porque no senhor Abílio, ao domingo à noite, jantava-se bacalhau cozido com batatas, com um fio de bom vinho verde tinto a substituir o vinagre e a conviver bem com o azeite de Serpins. E nós, ainda rapazes, gostávamos daquilo. E para sermos convidados para saborear o fiel amigo, lá tínhamos de ouvir o relato. E tantos ouvimos e tantas vitórias aplaudimos (lembramos a conquista da Taça Latina), que o bichinho ainda anda pelo nosso toutiço. Mas é só boa recordação.
Fiquem, pois, todos descansados, só conhecemos aqueles craques e as novas gerações das águias são pássaros e passarões como todos os outros ninhos da bola. Não esquecemos aqueles que deixaram o velho campo de Santana e o Estádio do Mar que foram para a Luz, sendo dois deles campeões europeus: Raúl Machado e Jacinto, este um jogador que Carlos Pinhão dizia que tinha dois pés como tacos de bilhar. De Leixões para a Luz também foram Barros, Praia e Fonseca. E sobre Praia um dia destes contarei uma história passada com Pedroto.
Fica, assim, caros leitores de A BOLA, feita a nossa apresentação, contendo a confissão do que nos vai no coração e algo que ainda está na sala de arrumos cerebral. Sabemos que não ficaremos imunes a quem, no futuro, descubra nos nossos adjectivos, segundas intensões, mas é a vida e já dizia a nossa avó Rita que quem anda à chuva molha-se. E nós estamos preparados para apanhar uns aguaceiros…
Então, dentro de quinze dias, cá estaremos: malandro, mas pouco.
 

[N.d.r.] Joaquim Queirós tornou-se jornalista profissional em novembro de 1972. Afirmou-se em jornais como o ‘Jornal de Notícias’ e ‘O Comércio do Porto’, tendo sido diretor deste último. Fundou e dirigiu o trissemanário desportivo ‘A Gazeta dos Desportos’ e, em 1993, fundou o jornal ‘Matosinhos Hoje’, considerado, em 1995, pelo Clube de Jornalistas, o melhor jornal regional do País. Recebeu o prémio de jornalismo Joaquim Alves Teixeira, instituído pelo Governo, em 1982, e, ainda do Governo, a Medalha de Mérito Desportivo pelo seu desempenho na área da comunicação. Foi vereador na câmara municipal de Matosinhos entre 1989 e 1993. É autor de vários livros.