Obrigações!...
Eu pecador me confesso, como reconheço que tenho muitos defeitos dos quais não me orgulho, antes justifico por ser um ser humano que não sou perfeito e, muito menos, perfeitinho, que não gosta de atitudes cinzentas, pouco transparentes, para não falar de cinismos e hipocrisias.
Uma coisa, julgo eu, não me podem acusar, é de que não sou frontal, não digo as coisas cara a cara, olhos nos olhos, que não ponho os nomes às pessoas e às coisas. E, se alguém é prejudicado por essa frontalidade, sou exatamente eu, porque ser frontal não é das coisas mais apreciadas cá pelo burgo. Muitos o dizem na frente, mas, nas costas, sei bem o que pensam e como agem por essa mesma frontalidade. Uma das grandes vantagens da idade é já não ter ilusões sobre os interesses instalados, na profissão, no desporto ou na politica, e ter a coragem ou a irresponsabilidade de os enfrentar e defrontar. Com efeito, se ao longo da minha vida sempre preferi seguir ideais a deixar-me seduzir pelo comodismo, não seria agora, ao contrário do que muitos pensam devia ser, que me deixaria pelo descanso da velhice, traindo a minha própria consciência. Nem o Sporting conseguirá domar esse meu instinto, embora ande a tomar uns comprimidos para adormecer temporariamente as minhas energias!
A campanha eleitoral recente em que, como sabem, participei, insistiu muito na união que era preciso construir ou reconstruir após as eleições. Também eu não deixei de abordar esse objectivo, embora fosse minha convicção que tal não seria possível tão depressa quanto seria desejável. O que se passou no clube deixou marcas que não se apagam de um dia para o outro, e que vão influenciar o futuro de uma forma que prevejo decisiva!
A minha contribuição para essa tentativa de união tem-se situado no evitar comentar determinadas situações que, noutras circunstâncias, não deixaria de comentar. Passou, no entanto, pouco tempo sobre um acto eleitoral em que participei e não quero que, de forma alguma, se confunda crítica e opinião com azedume ou despeito por não ver as minhas ideias sufragadas. Evito escrever e vou continuar a evitar estar presente em situações ou acções que me incomodam por sentir que o que nelas se diz ou proclama não seguem a estrada da união.
Previ que Leiria e os Rugidos do Leão, em tempo de empréstimo obrigacionista, não iria ser um rugido agregador, porque a acção e a omissão não convivem saudavelmente. Por isso lá não fui este ano.
O Presidente do Sporting Clube de Portugal falou, e veio nas primeiras páginas dos jornais, em traidores e altas traições: «Apesar dos boicotes, cunhas e altas traições conseguimos lançar o empréstimo obrigacionista!» Ora, acusar alguém de traidor, isto é, que atraiçoa e é, assim, desleal para com o clube, é demasiado grave para não ter um rosto e um nome. A traição não pode ficar no anonimato, sob pena de sermos todos cúmplices com a traição ou esta ser uma coisa banal que não interessa estancar, antes dá jeito para inflamar o discurso.
Estou de acordo com o meu consócio, Dr. José Manuel Silva e Costa, quando, a pergunta do Record sobre se os maiores inimigos do Sporting estão dentro de clube, face às denuncias de boicotes e altas traições por parte do Dr. Frederico Varandas, respondeu que «a ter conhecimento desses boicotes e traições, Varandas deveria denunciá-los publicamente para que sócios e adeptos saibam exatamente o que são e quem os praticou».
Curiosamente, nesse mesmo dia e no mesmo jornal, eram revelados mais e-mails em que eram pedidas punições, por Domingos Soares de Oliveira, para os traidores, ou seja para os que haviam jurado fidelidade ao Benfica e acabaram a votar em Pedro Proença para presidente da Liga. Não que eu queira ou reclame punições para os traidores que estão dentro do Sporting, mas, no mínimo, não quero ignorar quem eles sejam. E, sobretudo, quero perceber o que é traição.
Mas a surpresa maior, por vir de quem veio, foram as declarações do antigo ministro Pires de Lima, cuja frontalidade sempre admirei. Frontalidade essa que herdou de seu Pai, o ilustre advogado Dr. Pires de Lima, por quem sempre nutri uma enorme estima e consideração, aumentada pela enorme elevação com que exerceu o cargo de Bastonário. Uma enorme saudade da sua figura!
Com efeito, ainda naquele jornal e naquele dia, sob o título de oposição non grata e aplauso a Benedito - julgo que da responsabilidade do editor - referia-se que o Dr. Pires de Lima lamentava o «discurso de oposição de alguns sportinguistas ilustres que concorreram à presidência», louvando a atitude altamente responsável de João Benedito. Embora eu não seja ilustre de nada, sinto-me atingido por esta afirmação do Dr. Pires de Lima, e, portanto, acho que tenho o direito de lhe perguntar, reclamando a resposta, se não teve coragem para dizer nomes ou esse «discurso de oposição» engloba Tavares Pereira, Rui Rego, Ricciardi e eu próprio? Não sei o que pensam os outros concorrentes, mas, da minha parte, pergunto ao Dr. Pires de Lima onde foi o meu discurso de oposição?
Eu não quero discutir publicamente o caminho para a união, mas não posso ler, ouvir e calar tudo e mais alguma coisa. Não andei quase quarenta anos a tentar servir o Sporting, com esforço, devoção e dedicação, e depois ver-me conotado com traições ou boicotes. Dispenso os ilustres e os notáveis; exijo apenas o mínimo de respeito.
É preciso coragem para enfrentar os grandes e graves problemas do Sporting. Coragem, muita coragem, e, sobretudo, coragem moral. Mas essa coragem não pode ficar pela metade. A verdadeira coragem está na decisão com que se rompem com interesses e mexericos, para erguer a voz da consciência acima de tudo e de todos. Ficar pela acusação de traição e boicote é ficar pela metade. Ficar a acusação sem a denúncia não é nada, antes injustiça para uns e cobertura para outros.
Como dizia Eça, «não se discute com o mal; o mal derruba-se». Para isso há que ter coragem de dizer onde está o mal. Se não houver a capacidade de o dizer frontalmente, teremos então de ter a humildade de reconhecer que o mal está em todos nós. E que todos nós estamos a trair o símbolo do leão, que significa exatamente destreza, força e lealdade que devem constituir apanágio de toda a actuação do Sporting Clube de Portugal.
Temos obrigações para comprar. Mas há obrigações morais para cumprir!...