O verdadeiro lugar do Desporto

OPINIÃO05.03.202205:55

Em tempos de guerra real, ver, em Alvalade, aqueles meninos alarves a brincarem aos insurretos, apenas os torna mais patéticos

MAIS de uma semana depois de ter começado a invasão russa da Ucrânia, com cidades destruídas, milhares e milhares de mortos, tragédias vistas em direto e, mesmo assim, inimagináveis em qualquer país em paz, mais de um milhão de refugiados e um futuro negro que nos alerta para a possibilidade de ainda estar para vir o pior, o futebol e o Desporto, de um modo geral, reduz-se ao seu lugar na História das sociedades e ao conceito de ser apenas a coisa mais importante das coisas menos importantes das nossas vidas.
Daí que ao vermos a manifestação imbecil daqueles meninos verdes que brincaram às guerras em Alvalade, atirando tochas para o seu próprio guarda-redes, acabemos por sentir mais pena do que indignação. Pobres de espírito, inteligências suspensas, vidas desperdiçadas no privilégio de não terem de pegar em armas verdadeiras e precisarem de uma verdadeira coragem para enfrentarem tanques e bombardeamentos aéreos.
É perigoso, sobretudo, nos tempos que correm, brincar aos falsos heróis insurretos. É perigoso, porque os tempos são de guerra real e por isso os seus atos inconsequentes e acriançados se tornam ainda mais  patéticos. Tal como tudo, nas nossas vidas comuns, se torna relativo. De repente, perante a tragédia humanitária que se vive na Ucrânia, os problemas de cada um de nós regressam ao lugar certo na escala de grandeza planetária.
É fácil, hoje, entender que o Desporto nunca pode ser um problema, muito menos um drama nas nossas vidas. O Desporto não pode ser sofrimento, mas prazer. É essa a sua génese e por isso o seu  maior desafio nas sociedades modernas, porque tem de lutar pelo exemplo, pelos valores, pela ética, pelo sentimento de solidariedade.
Pode parecer ingenuidade ou até uma inglória pretensão de se santificar o Desporto devolvendo-o à pureza dos conceitos. Porém, não é verdadeiramente disso que se trata. A questão fundamental é a de que o Homem subverte naturalmente o Desporto pelo seu egoísmo e pelo seu individualismo. Usa-o para seu proveito próprio, para o seu convencimento, para a sua realização pessoal. Usa-o e, como facilmente se poderá constatar, abusa-o. Na louca corrida em que se transformou cada vida, o Desporto, visto com a paixão do adepto de clube, não com a convicção do praticante, tornou-se apenas mais um circuito que queremos ganhar, custe o que custar.
Ora em momentos como estes, de uma guerra que bate à nossa porta, nos incomoda a consciência e nos devolve alguma lógica no raciocínio, o Desporto e, em particular, o futebol, que domina, em Portugal, grande parte da discussão pública, fica reduzido ao seu verdadeiro significado e à sua real dimensão.
Entendam-me. Não se trata de desvalorizar o Desporto e até o sentimento de paixão por um qualquer clube desportivo. Trata-se apenas de o arrumar no lugar certo das nossas vidas e de nos fazermos regressar ao verdadeiro significado das coisas.
Se o conseguirmos, fica mais fácil percebermos por que razão o Desporto tem de continuar a lutar pela sobrevivência de princípios, de valores e de uma ética distintiva.
No calor da luta pelos pontos de um campeonato muito disputado, não é fácil atendermos a uma perspetiva assim tão racional, mas num cenário de guerra brutal como aquele a que diariamente tão desassosegadamente assistimos pelas imagens que correm o mundo, torna-se mais fácil o reconhecimento da importância que um Desporto com valores tem na educação dos povos e, assim, na prevenção de tentações imperais e no consentimento, mesmo que moral, de propósitos de subjugação.
 

Tochas atiradas para o relvado no clássico 


DENTRO DA ÁREA – O SPORTING VAI A VOTOS 

Eleições no Sporting. Três candidatos, um previsível vencedor - Frederico Varandas. A previsão não é difícil, atendendo ao histórico das eleições de clubes. O barómetro é sempre o estado do futebol profissional. Ora, Varandas é o primeiro responsável por ter escolhido Rúben Amorim para treinador e ambos são responsáveis por um inesperado e festejado título de campeão. Portanto, a expectativa maior não estará em saber quem ganha, mas em saber qual  a dimensão da previsível vantagem de Varandas. A fasquia é a da maioria absoluta.
 

FORA DA ÁREA – UM PAÍS EM BANHO-MARIA

A guerra, intensa, trágica, brutal, ameaçadora sucedeu à pandemia, atirando-a para um rodapé nas páginas dos jornais. É da natureza humana olhar a vida pelo lado do imediato e, sobretudo, pelo lado mais emocional. Os media sabem disso e aproveitam. Não há espaço para desviar as atenções dos ecrãs de televisão e por isso a guerra e os seus mais trágicos danos preenchem o mundo da informação. Tudo o resto fica em suspenso. Nada mais é notícia e o próprio país, com um governo em duodécimos, fica em banho-maria.