O ‘vale tudo’ deixou de valer
Esta semana começa com uma boa notícia para o futebol português: a partir de agora, comentadores exaltados, analistas, especialistas, e, principalmente, os departamentos de comunicação dos clubes devem ser menos grosseiros no que dizem e menos desabridos no que escrevem sobre a figura do árbitro, na sequência de um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que considera que a injúria e a difamação «excedem os limites do que deve ser a liberdade de expressão , conforme previsto no art.º 37.º da CRP, pondo em causa o direito ao bom nome dos árbitros em questão».
O Conselho de Disciplina da FPF viu assim ser dada razão ao seu recurso, no qual defendeu argumentação jurídica superiormente atendida.
A BOLA noticiou ontem, em trabalho assinado pelo seu chefe de redação Ricardo Quaresma, e tendo por base este entendimento do STA, que foram recusados os recursos apresentados pelos reis da festa da má língua, os senhores Marques e Bernardo, e confirmados os castigos que lhes tinham sido aplicados pela justiça desportiva.
Marques e Bernardo são dois dos braços armados de estratégias comunicacionais que não informam, não promovem, não divulgam; apenas intoxicam o ambiente e confundem as pessoas - felizmente que o mais frenético de todos saiu de cena com a eleição dos novos órgãos sociais do Sporting.
O vale tudo acabou. Magnífica oportunidade, portanto, para os clubes, se quiserem, adequarem o regulamento disciplinar com punições mais severas, sobretudo ao nível das multas, que são ridículas. O problema é que não querem. Falam muito, lamentam-se ainda mais, mas não passam disso. Por outro lado, que crédito pode dar-se a uma Liga que tem de viver na dependência de dirigentes distraídos ou desinteressados, que vão para reuniões e assembleias sem conhecimento suficiente do que vai ser analisado e sem vontade nem ideias próprias. Como exemplo mais recente, o desconchavo de posições sobre a reintegração do Gil Vicente na Liga principal.
Opresidente do Conselho de Arbitragem tanto se preocupou, para nada, em manter em segredo as nomeações dos árbitros. Rigorosamente, para nada, motivo por que ficou a saber-se que nas últimas quatro jornadas do Campeonato será levantada a confidencialidade, voltando a ser tudo às claras, como nunca deveria ter deixado de ser.
Fontelas Gomes escolheu esta via animado de boas intenções e no sentido de proteger os árbitros. A ideia seria admissível numa situação pontual, particularmente grave, mas perdeu a sua eficácia, se é que teve alguma, ao diluir-se no tempo, estando eu convencido que as fugas de informação terão existido desde o princípio, simplesmente os clubes, com mais ou menos poder de influência, foram fazendo de conta por algum interesse enxergarem.
Quando vejo a Federação e a Liga de candeias às avessas, como neste momento sucede, sugere-me a prudência, enquanto observador externo, que me incline para o lado da FPF, por ver nela uma instituição prestigiada, profissional e competente, além de ter conquistado internacionalmente um estatuto de referência, em contraposição a uma associação de clubes profissionais de características especiais, uma delas a de não saber ou não querer adaptar-se aos tempos modernos.
Como não há regra sem exceção, a arbitragem poderá ser o grão de areia numa engrenagem bem oleada. Em vez de mitigar os efeitos de uma ausência de valores com investimento forte na preparação e progressão dos que há, porque nem todos são maus como se quer fazer crer, Fontelas Gomes enredou-se numa sucessão de equívocos que, no mínimo, permitiram chegar a um resultado: a fragilização do Conselho e do seu presidente.
Em vez de jogar às escondidas, a arbitragem precisa de transparência. Portanto, tudo isto se resume a uma trapalhada e quando se admitiria algum recato nas últimas quatro jornadas, eis que acontece precisamente o contrário. Das duas uma, ou a arbitragem gosta de andar em contramão ou assumiu a inutilidade do secretismo e tem pressa de se libertar dele.
Bem-vindas, pois, as nomeações públicas dos árbitros. Não pode ser de outra forma numa sociedade civilizada, salvo em situações de reconhecida excecionalidade. Que o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, pelo menos, permita alguma paz ao futebol…