O tempo (útil) não é só do jogo

OPINIÃO19.09.202206:30

Há uma diminuição clara do número de faltas por jogo (redução de 31,4 em 2020/2021 para 25,4 esta época)

Ofutebol é - além do jogo que tantos apaixona - um espetáculo de entretenimento. Um setor de atividade que é suportado pelos milhões de pessoas que seguem e consumem este desporto de forma massiva. E claro, também pelas marcas. Instituições que, no entanto, só têm interesse em investir nesta indústria pelas potencialidades únicas que o futebol lhes oferece de aproximarem-se e conectarem-se com esta base alargada e transversal de seguidores.

Vamos ser mais diretos: os adeptos são a (única) raiz de geração de valor para esta atividade. Os que pagam quotas; os que vão ao estádio; os que compram merchandising; os que pagam subscrições de conteúdo; os que consomem no digital e nas redes sociais; os que compram jornais; os que assistem aos programas de debate; ou os que veem, falam e vivem futebol todos os dias. Mas também os que nutrem apenas uma leve simpatia por um clube, jogador ou seleção e até os que nem gostam (nem percebem) deste jogo, mas desfrutam da experiência de convívio entre amigos numa partida de futebol.

Seja qual for o ponto de abordagem em que seja colocada a questão, a resposta é invariavelmente a mesma: o fã - melhor dizendo, o cliente - é o único centro da criação de valor para este produto. E esta devia ser uma noção clara não só para o futebol, como para todas as atividades. Todo e qualquer setor, e mais em concreto nesta área, trabalha para disputar duas coisas simples: o tempo e o orçamento (limitado) que cada pessoa/família tem para despender em entretenimento. Optar entre uma tarde a ver futebol ou uma corrida de Fórmula 1? Subscrever Sport TV ou preferir Netflix? Ir a um estádio apoiar o nosso clube ou escolher um outro programa para realizar em família? São múltiplas, contínuas e crescentes as opções para satisfazermos o tempo disponível para nos entretermos, num quadro de ofertas atualizado à louca velocidade da evolução tecnológica dos nossos dias, e numa sociedade por um lado cada vez mais exigente em relação às suas, e também novas, necessidades.
 

«Todos temos de ter presentes que o tempo é do jogo. Mas é também dos adeptos»


E é neste enquadramento que o futebol compete. Manter seguidores e adeptos. Converter novos e jovens fãs. Ocupar espaços de notoriedade pela positiva. Ser a opção das pessoas!! Numa escala local, nacional e global. Porque hoje o fosso que distancia grandes e pequenas competições, marcas que se estendem mundialmente e outras que vivem amarradas nas fronteiras, depende da capacidade de captar seguidores, adeptos, fãs, clientes por todo o mundo.

O caminho demanda estratégias e planos de ação adaptados às diferentes expectativas, formas e pontos de contacto dos adeptos com o nosso produto e na relação entre os clubes, os seus sócios/adeptos e as suas comunidades. Mas também na evolução da experiência de estádio, na melhoria das diferentes ofertas de produto de quem consome multiplataformas (dentro e fora do nosso país) ou no investimento de criação de um storytelling contínuo que nos coloque no topo do mindset das pessoas como opção de entretenimento. Em conhecer quem nos segue, como nos segue, como e onde quer vivenciar futebol. E em adaptar-nos. Aos tempos. Às gerações. Às novas oportunidades e territórios.  Às novas exigências.

E se todos estes trilhos são fundamentais no desenvolvimento deste negócio, o foco principal para conquistar adeptos continuará a acontecer dentro do mágico retângulo verde. Numa era em que convencer alguém (em especial as jovens gerações) a focar-se num evento de 90 minutos é um desafio, a atratividade e emotividade desse espetáculo é condição obrigatória. Nesse sentido, o tempo útil de jogo tem estado no centro da discussão pública, como fator decisivo para a melhoria e promoção do futebol português.

Da parte da Liga Portugal orgulhamos-mos de há muito termos iniciado a reflexão sobre esta temática, em ações que, em temporadas anteriores, já incluíram reuniões com treinadores e árbitros, webinars e congressos, e foram reforçadas esta época, com uma estratégia de comunicação mais incisiva que inclui, entre várias medidas, a atribuição de prémios aos jogos com melhores médias de tempo efetivo de jogo.

Tem sido com agrado que temos verificado que este assunto está hoje definitivamente na agenda mediática e para ficar. Como sempre temos defendido este é um tema sem culpados isolados e onde todos - treinadores, árbitros, jogadores, reguladores e até adeptos - têm o poder de contribuir para inverter o preocupante lugar em que a Liga Portugal bwin se encontra no ranking comparado com outras ligas no que ao tempo útil diz respeito.
Os primeiros dados resultantes das 6 jornadas de 2022/2023 são animadores. A percentagem de tempo útil está numa espiral de subida em relação às últimas temporadas e observar um top 10 de jogos acima dos 60% de tempo útil é ótimo indicador. Para isto muito tem contribuído o esforço assumido e visível por parte dos árbitros, que se tem consubstanciado, entre outros fatores, numa diminuição clara do número de faltas por jogo (redução de 31,4 em 2020/2021 para 25,4 esta época). O valor percentual de tempo útil (55,82%) só não é ainda maior pois a notória estratégia de aumento dos tempos de compensação dados pelos árbitros esta época, acaba por ser prejudicada por ser este também o período onde estrategicamente menos se joga.
Este e outros tópicos relacionados com os parâmetros e causas de paragens serão debatidos esta semana em mais um fórum de treinadores profissionais, também eles amplamente comprometidos com esta causa.
Porque todos temos de ter presentes que o tempo é do jogo. Mas é também dos adeptos.