O suspeito do costume
FC PORTO apurado com naturalidade. À custa de um empate sofrido perante um City altamente dominador mas pouco eficaz no capítulo que interessa. Marchesín foi um gigante na baliza e o FCP teve também a dose de sorte que sempre é precisa quando se defronta um clube verdadeiramente de topo - lembro que o Abu Dhabi-City gastou mais de mil milhões em reforços desde que tem Guardiola como treinador. Exibição defensiva estóica premiada com nulo e um quarto jogo seguido sem sofrer golos, um surpreendente recorde portista na prova - ainda para mais com a defesa privada de Pepe e Ivan Marcano, que seriam titulares em condições normais. Sérgio e Guardiola trocaram alfinetes verbais no final do jogo, mas o que fica é que o FC Porto está mais uma vez nos oitavos de final da Champions, com receita de 60 milhões (pelo menos) garantida e mais três jogos na montra mais apetecida do futebol. Sérgio iguala a proeza de Jesualdo Ferreira - único treinador em Portugal com três qualificações na fase de grupos - e o FCP reafirma pela enésima vez a condição de bandeira nacional na Champions. Lembre-se que desde a estreia deste modelo (em 1992/1993), o FCP é, fora do elitista universo dos big five, o clube que mais vezes passou da fase de grupos: com a de ontem são 16 qualificações em 24 presenças (Benfica: 5 em 15; Sporting: 1 em 8; Boavista e Braga nunca chegaram à fase eliminatória). Veremos o que nos traz a jornada final, em que há mais três equipas fora da elite a lutar pela qualificação - Shakhtar do nosso Luís Castro (sensacional bi-vencedor do Real Madrid, bravo!), RB Salzburgo de Hans Dieter Flick e Ajax de Erik ten Haag - mas não ficaria admirado se o FCP acabasse por ser a única equipa fora dos big five apurada para a fase eliminatória. Na época passada não houve nenhuma e há dois anos apenas duas: FC Porto e Ajax. Dois suspeitos do costume…
Sobre os jogos de hoje, a curiosidade de ver um árbitro feminino apitar pela primeira vez um jogo da Champions. É a francesa Stephanie Frepart, que vai dirigir o Juventus-Dinamo Kiev, espera-se que com Cristiano no onze inicial.
A liga do avesso
Os dois que era suposto estarem a lutar pelo terceiro lugar (Braga e Sporting) ocupam os dois primeiros lugares, sendo que o 4.º classificado da época passada (Sporting) é líder com quatro pontos de avanço, tendo ainda o melhor ataque e a melhor defesa. Os dois que era suposto serem muuuuito mais fortes que todos os outros (Porto e Benfica), ocupam o 3.º e o 4.º lugar e apresentam, em comparação com os dois primeiros, um futebol com cara de pré-temporada, algo incipiente e confuso, como se houvesse peças para encaixar e rotinas por assimilar. Consequentemente, os treinadores dos dois que era suposto serem muuuuito mais fortes que os outros (Sérgio e Jesus) têm-se mostrado um bocadinho nervosos. O melhor jogador do campeonato até agora tem 22 anos, custou 6,5 milhões e na época passada jogava muito no Famalicão. Chama-se Pedro Gonçalves. A maior desilusão do campeonato até agora tem 32 anos, custou 15 milhões e na época passada jogava pouco no City. Chama-se Nicolas Otamendi. Para já é isto.
E foi assim, Maradona
«Mais importante que o destino é a viagem», disse o grande pensador Eduardo Lourenço. O destino de Maradona é conhecido. A viagem foi rica, turbulenta e acidentada. Tudo o que foi escuro, sombrio e sórdido na vida do craque agora parece pícaro, burlesco, quase desculpável em face da memória que abafa todas as outras. A memória do talento e do génio criativo desse Deus futebolista nascido em Lanús, Buenos Aires. O seu dom era tão cristalino, tão absurdamente fácil que lhe perdoámos tudo: as birras, os amuos, as insolências, as picardias, os excessos (tantos), as más companhias (tantas). Tudo se perdoa a um Deus de carne e osso sempre caído em tentação - desde que nos intervalos acordados mantenha o génio ativo. Assim foi. Um Deus que escolheu sempre o caminho mais difícil, mais rebelde, mais anti-establishment: ele e a famiglia do Nápoles contra o poder tentacular dos gigantes do Norte (o AC Milan de Sacchi, o Inter de Trapattoni, a Juventus de Marchesi e Zoff); ele e a seleção da Argentina contra Havelange, Blatter e o poder tentacular da corporação FIFA, que nunca lhe perdoou as criticas, o desplante, a insolência. A morte de Maradona teve, em termos globais, um impacto enorme (durante dois dias ocupou praticamente as capas dos jornais de todo o Mundo), claramente maior do que a morte do genial Johan Cruyff (24 de março de 2016) e muito maior que a morte do nosso Eusébio (5 de janeiro de 2014). O mesmo aconteceu com essa figura fascinante chamada Fidel Castro, el comandante que ousou desafiar - e de certa maneira vencer - o poder tentacular (e o imbecil embargo) dos Estados Unidos; quando ele morreu (25 novembro 2016), todos os jornais mundiais fizeram manchete com a figura e a vida indubitavelmente rica e romanesca do líder cubano, ele que foi, em bom rigor, um ditador que sufocou e aprisionou o próprio povo desprezando as convenções e as regras mais básicas da democracia. Ah. Maradona e Fidel eram amigos.