O Sporting sem crise não é Sporting (nota otimista)

OPINIÃO05.09.201901:20

Sempre que uma instituição entra em crise costuma-se argumentar que em chinês a palavra crise é sinónimo de oportunidade. Será (embora, na verdade seja algo mais complicado). Também se argumenta com o étimo grego krisis que significa um ponto decisivo, uma tomada de decisão inadiável ou uma transformação necessária. Crisálida, a espécie de lagarta em que se transforma a borboleta, seria mesmo o melhor exemplo (embora seja etimologicamente falso). Enfim, não escasseiam argumentos para dizer que uma crise pode ser boa.
Enfim…
E duas crises? Uma que terminou há praticamente um ano, com a eleição de Frederico Varandas a 8 de setembro de 2018, e outra agora, em que Varandas e o seu treinador, Keizer, terça-feira despedido, foram postos em causa? Pode ser uma crise de crescimento, de oportunidade, de tudo o que quiserem, mas não é! Não é de todo. Sou sportinguista, amo o Sporting e sofro com ele desde que me conheço. Mas sou mais amigo da verdade. A verdadeira crise do Sporting é de vil metal, de dinheiro, de não ter capacidade para enfrentar as suas obrigações que são (ou devem ser, no entender dos sócios e dos seus fundadores), as de um grande clube, ao nível dos maiores da Europa. E porquê? Porque o Sporting não soube adaptar-se e entrou em crise de resultados no futebol profissional que, por muito que puxemos por todas as modalidades em que somos geniais, é o desporto para o qual os holofotes estão apontados. Desde 1980, ano em que venceu o campeonato, até hoje, venceu apenas mais três. Com a agravante de terem sido em 1982, em 2000 e 2002, ou seja os quatro títulos foram em duas épocas curtas, mediando apenas dois anos entre eles. Passaram 18 anos entre o segundo e o terceiro e está a caminho dos 18 anos desde o último.

Coisas que me deixam farto

Aproveito a ocasião de crise, de transformação do que for, para dizer que estou farto de teses mirabolantes, de promessas falsas, de truques baixos e de gente com medo.
As teses mirabolantes passam por dois caminhos: um é dizer que aqueles que dirigem o clube querem o mal do Sporting e roubam-no descaradamente; o outro é dizer que o Sporting está permanentemente em crise porque elege idiotas e semi-idiotas incompetentes para a sua Direção. Peço desculpa, mas respeito todos os que se colocaram à frente do clube (exceto um que contribuí para a sua expulsão, não por maus resultados desportivos, mas por ter minado toda a estrutura, regulamentos e estatutos do clube, além de ter criado uma espécie de seguidores religiosos). A culpa, como compreendem, não pode ser de gente tão diversa.
As promessas falsas dizem respeito àqueles que surgem com soluções claras para os problemas, que muitas vezes nem sabem identificar. Bem podem dizer que a atual equipa é um conjunto de amadores. Se calhar é, mas gostava que as soluções de quem diz que as tem (refiro-me a Ricciardi) fossem um pouco mais explícitas. Também Varandas afirmou que tinha tudo muito bem planeado… e viu-se! Dias Ferreira diz coisas certas e outras para a bancada gostar de ouvir; Madeira Rodrigues chega-se à frente e diz outras… Até Marta Soares voltou a falar. Quero deixar claro que respeito todos os mencionados e por alguns tenho sincera estima. Mas acho chegado o momento de jogarem todos um jogo que se chama: dizer a verdade e colaborarem. E o mesmo posso dizer para outros que foram candidatos (sendo que alguns mais não disseram do que coisas gerais, como mostrar preocupação, caso de João Benedito, ou remoques por não terem sido tratados como deviam, refiro-me a José Sousa Cintra). De todos apenas um manteve o silêncio e tenho de elogiá-lo por isso: Artur Torres Pereira. Para quem não se lembra foi ele (e não como se costuma dizer Cintra) o presidente da Comissão de Gestão no Verão passado. Enquanto um líder não conseguir congregar todos não será líder. E congregar todos faz-se de três maneiras: uma, que foi afastada pela expulsão do seu protagonista, é mudar a identidade do clube e tornar o presidente a única voz possível. As outras duas são: um líder com autoridade acima de todos os outros (que não se vislumbra) ou com disponibilidade para consensualizar e falar com todos os outros (o que não se tem visto).
Eu não pretendo nada do Sporting, instituição que nunca me deu um tostão, um benefício, o que fosse e a quem já paguei muito dinheiro. Quero apenas uma coisa: que me digam a verdade! Se dermos este ano por perdido e começarmos a preparar-nos a sério para o futuro, é preferível do que mais enganos, dinheiro deitado à rua, acusações mútuas e desavenças.
Se perguntarem a um sócio normal (não aos que vão para as AG aos urros, nem aos que têm ambições a algum cargo) se preferem um clube campeão ou saber com exatidão quem tem mais dinheiro na SAD ou nos passes dos jogadores, não tenham dúvidas: nós vamos a Alvalade (e muitos a outros estádios) ver o Sporting para de lá sair com a alma lavada. Não para ver o que andávamos a ver… uma equipa sem fio de jogo que ao fim de uma hora estava fisicamente de rastos e a rezar à Nossa Senhora dos Aflitos… Mas também não vamos discutir as enfadonhas questões de clubite política.

Pontes e os reforços

Da mesma forma que me custou engolir o despedimento de Peseiro, custa-me hoje o de Keizer. Pode ser que não sejam o suprassumo desejado, mas sempre me pareceram pessoas decentes e dedicadas que mereciam outro tratamento. Não entendo como o holandês nada parecia saber das transferências, trocas e baldrocas na equipa que ele tinha de gerir. Mas, do mesmo modo que Marcel Keizer me cativou (e o que disse da equipa andar a jogar mal pode ter causas muito mais profundas do que um treinador naturalmente desmotivado pelo clube), espero e desejo o melhor para Leonel Pontes. É da casa e tomara eu que ele se entenda com o plantel e o ponha a jogar futebol que nos encha de orgulho (isto - sublinho - não significa ganhar todos os jogos, já vi muitos jogos perdidos em que senti orgulho da equipa).
Não obstante, esta nota de otimismo, permitam-me desconfiar um pouco de termos posto Bas Dost a andar (meteu um golo no campeonato alemão, mal chegou ao Eintracht), assim como Raphinha (que se estava a tornar num caso sério) e o jovem Thierry Correia (que, não obstante os erros - menos do que Coates - era muito promissor). Foi por dinheiro? Ótimo, digam-no sem reservas. Em contrapartida comprámos três futebolistas de que nunca tinha ouvido falar (defeito meu, seguramente): Jesé, que vem do Bétis (parece que uma lesão grave o fez passar ao lado de uma carreira enorme, e foi também disc-jockey); Fernando, que com 20 anos ainda pode ser tudo, mas vem emprestado pelo Shakhtar Donetsk; e Bolasie, que não tinha lugar no Everton. Engulo em seco e sigo em frente. Pode ser, pode ser que sim, espero que sim. Mas estou apreensivo. Mais do que quando levámos 5-0 do Benfica. Isso pode ter sido um dia mau, isto pode ser uma equipa desastrosa. Ou não.
Vamos ser otimistas: Renan continua a melhorar e Luís Maximiano também; Neto, que vai substituir Coates no próximo jogo (contra o Boavista no Bessa), supera-se; Coates reencontra-se; Mathieu mantém a classe; Rosier e Ristovsky serão magníficos; Wendel, Doumbia, Acuña, Fernando e Bolasie vão criar uma superioridade indestrutível; Luiz Phellype comerá relva e Jesé voltará ao nível que prometeu há meia-dúzia de anos. Falta o capitão Bruno Fernandes, mas esse é à parte. Está sempre pronto para ser o melhor de Portugal e um dos melhores do mundo. Pronto, rapaziada, vamos lá ganhar isto. E, como canta a grande Maria José Valério, «quer se possa ou se não possa».