O seu a seu dono!...
Não me consta que Bruno Carvalho tenha sido condenado, acusado ou simplesmente indiciado por crimes desta natureza
CRESCI a ver o meu Pai a organizar dossiers com notícias ou artigos de jornais que de algum modo lhe interessavam, designadamente, assuntos que diziam respeito à família, quer se tratasse de ascendentes ou descendentes. Quando era necessário apoiar a sua fantástica memória com documentação logo recorria à respectiva pasta. Quando me tornei um homem independente de meu Pai - no sentido material, porque, ainda hoje, me faz muita falta a sua opinião e o seu conselho - designadamente quando iniciei a minha carreira na área do desporto, procurei fazer o mesmo, recortando jornais, guardando outros, etc. Não sou, nem nunca fui, tão organizado como o meu Pai, e, por isso, tenho alguns metidos em caixas sem muito ou nenhum critério, outros mais ou menos localizáveis e outros devidamente selecionados e criteriosamente arquivados. Também vivo noutro tempo em que a informação cresceu de uma forma tão vertiginosa que é difícil ter tudo em dia e poder dedicar muita atenção a esse tipo de organização. Benefício, porém, de hoje estar tudo na internet e, em consequência, facilmente se faz um print ou um ficheiro com a matéria que me interessa, deixando-a, imediatamente ou quase, devidamente arquivada. E os confinamentos também ajudam a uma melhor organização deste tipo de material!...
No âmbito profissional, e porque tenho entre mãos um assunto relacionado com o tema do momento, recebi uma informação (ou uma fuga dela) de que os acontecimentos se iriam precipitar na próxima semana e por isso comecei a preparar o meu artigo de hoje.
Curiosamente, a primeira notícia que me veio à mão foi, não da afirmação em si, mas da penalização disciplinar da pessoa que fez a afirmação: Luís Filipe Vieira. Com efeito, em 02/10/2018, o Observador noticiava que Luís Filipe Vieira estava suspenso por 67 dias, pois o Tribunal Arbitral do Desporto havia confirmado a pena aplicada pelo Conselho de Disciplina ao presidente do Benfica, face às suas declarações sobre Bruno de Carvalho, que comparou com Vale e Azevedo. Essas declarações foram feitas em Abril de 2017 e portanto foram incompreensíveis porque, por um lado, ainda não tinha acontecido Alcochete, de que aliás Bruno foi absolvido e Vale e Azevedo não participou, e, por outro, este foi condenado por vários crimes por apropriação de dinheiros do Benfica e de outras pessoas ou entidades e, que se saiba, Bruno Carvalho não foi acusado de coisas do género. Na mesma altura, Vieira acusou Bruno de Carvalho, quando este ainda era presidente do Sporting, de ser de «mentiroso compulsivo», «demagogo» e «populista». E, de acordo com o TAD, o líder dos encarnados agiu «de forma consciente e voluntária» e que «enquanto agente desportivo não poderia ignorar que existem regulamentos disciplinares aptos a punir a sua conduta».
O Benfica anunciou que iria recorrer para o Tribunal Central Administrativo Sul, considerando que factos supervenientes vieram dar razão aos motivos daquela declaração: «A Sport Lisboa e Benfica - Futebol, SAD irá recorrer, para o Tribunal Central Administrativo Sul, da decisão do TAD de manter o castigo ao Presidente Luís Filipe Vieira, até porque factos supervenientes vieram dar razão aos motivos daquela declaração. Recordamos, contudo, que este castigo já foi cumprido.» Francamente não sei se houve recurso ou não, e, em caso afirmativo, qual o resultado. Mas não me consta que Bruno Carvalho, no Sporting ou em qualquer outro lado, tenha o currículo de Vale e Azevedo que, seguidamente, recordo, após ter deixado de ser presidente do Sport Lisboa e Benfica, em Novembro de 2000, salvo erro, foi detido no dia 16 de Fevereiro de 2001 e condenado a seis anos de prisão em cúmulo jurídico, acusado de se apropriar de 640 mil euros da transferência de Ovchinnikov. Em Agosto, fica em prisão preventiva e é condenado, em Abril de 2002, a quatro anos e meio de cadeia pelos casos Ovchinikov e Euroárea. Apenas cumpriu três anos e meio de cadeia.Parte da pena foi cumprida entre Agosto de 2001 e Fevereiro de 2004. A 19 de Fevereiro de 2004 é posto em liberdade por apenas 14 segundos. As malas e a televisão já estavam no interior do Mercedes quando o ex-dirigente do Benfica foi abordado por dois agentes da PJ com um novo mandado de detenção.
Solto em Julho de 2004, é condenado a ano e meio de prisão em 2005. Voltaria a ser condenado a penas de prisão em mais dois processos - a burla a Dantas da Cunha (2006) e a dois empresários no processo Ribafria (2007). Apresenta cauções falsas no valor de 1,3 milhões de euros para ficar em liberdade e escapa-se para Inglaterra, que, em 2008, começa a apreciar os pedidos de extradição de Portugal.
Desde 2008, residiu em Londres sob termo de identidade e residência e com o passaporte confiscado, enquanto aguardava a decisão do Tribunal Superior de Justiça de Londres sobre o pedido de extradição das autoridades portuguesas. Vale e Azevedo esteve envolvido em Inglaterra numa gigantesca fraude de compra de parte de um banco privado alemão, detido pelo Deutsche Bank. O ex-presidente do Benfica pedia dinheiro a investidores e apoderava-se de elevadas quantias que lhe eram confiadas. Para atestar a sua credibilidade, Vale e Azevedo entregava documentos emitidos pelo banco que, ao que tudo indica, seriam falsos. O advogado fazia-se ainda passar por gestor de fundos de sucesso e dizia ter mais de 618 milhões de euros para investir. Para conquistar a confiança dos investidores usou outros estratagemas: dizia ter ganho 138 milhões de euros em negócios com uma empresa pública inglesa e afirmava deter 75% de uma empresa luxemburguesa, ser dono de uma casa em Wentworth e ter também residência no Foster Hotel Egham. Vale enganava os investidores e compradores mostrando ter uma vida de luxo, jantando nos melhores restaurantes e vestindo-se de forma elegante.
Foi, em 12 de Novembro de 2012, extraditado do Reino Unido, sendo detido em Portugal. Tem em Portugal mais de 30 credores da empresa V&A Capital Limited, [8] que criou em Londres, tendo enganado mesmo a justiça e as finanças, ao apresentar em tribunal várias cauções que a Polícia Judiciária descobriu serem falsas. Em 2 de Julho de 2013, Vale e Azevedo foi condenado a dez anos de prisão efectiva pela apropriação indevida de mais de quatro milhões de euros dos cofres do Benfica, resultantes da transferência de futebolistas, entre 1998 e 2000. Sendo culpado dos crimes de branqueamento de capitais, falsificação de documentos, abuso de confiança e peculato. Foi ainda condenado a pagar cerca de sete milhões de euros que desviou ao clube. Desde então Vale e Azevedo apresentou recursos, sem sucesso, para revogar a condenação em torno das transferências dos atletas ingleses Scott Minto, Gary Charles, o marroquino Tahar e o brasileiro Amaral. Mesmo preso no estabelecimento prisional da Carregueira, o ex-presidente do Benfica andava de recurso em recurso a tentar atrasar a condenação definitiva. Em Dezembro de 2015, o Tribunal Constitucional determinou o trânsito em julgado imediato do processo, por entender que Vale estava a abusar de incidentes processuais. Vale e Azevedo foi libertado, em 7 de junho de 2016, após cumprir cinco sextos da pena de 11 anos e meio na prisão da Carregueira.
Em 15 de janeiro de 2019, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou prescritos os crimes de que Vale e Azevedo estava acusado, relativos ao desvio de dinheiro dos direitos televisivos do clube. Os factos remontavam ao final da década de 90 e o julgamento estava marcado para o início de Março de 2019, mas a Relação entendeu estar prescrito o procedimento criminal. Em causa estavam os crimes de peculato e falsificação de documentos, relacionados com os direitos televisivos do Benfica e que envolviam a verba de 1,2 milhões de euros.
Não me consta que alguma vez Bruno Carvalho, antes ou depois de presidir ao Sporting, tenha sido condenado, acusado ou simplesmente indiciado por crimes desta natureza ou semelhante.
Agora, segundo o despacho proferido nos autos em que é arguido Luís Filipe Vieira, estão indiciados crimes de burla qualificada, abuso de confiança agravada, falsificação de documentos, branqueamento de capitais e fraude fiscal agravada.
Não, Bruno Carvalho não é comparável a Vale e Azevedo nem a Luís Filipe Vieira. O povo costuma referir-se àquilo que pertence a cada uma das pessoas de quem se fala ou escreve com a seguinte expressão: o seu a seu dono!...